Entenda como esse pequeno pedaço de terra de língua inglesa na América do Sul passou a ter o maior crescimento econômico do mundo, e também os motivos que levaram Nicolás Maduro a realizar um referendo para roubar a maior parte de seu território.
O conflito sul-americano que se desenha, atualmente, por conta da região do Essequibo, na Guiana, lançou luz sobre esse pequeno país que, geralmente, passa despercebido, no mapa do subcontinente. De fato, existem inúmeras peculiaridades que transformam essa nação em um ponto fora da curva, no que se refere à realidade latinoamericana. E, de forma mais recente, o potencial econômico da Guiana fez despertar o interesse de muita gente. Inclusive, o de seu vizinho socialista, a Venezuela - o que explica o interesse do governo ditatorial de Nicolás Maduro em anexar 75% do território guianense.
A Guiana, conforme referido, é um país pequeno - o terceiro menor da América do Sul. Seus 215 mil km quadrados fazem com que o país tenha uma área equivalente à do estado do Paraná. Seu PIB nominal é de apenas US$ 15 bilhões - um valor inferior à maior parte dos estados brasileiros. Aliás, ainda mantendo as comparações, a população total da Guiana é de apenas 800 mil pessoas. Nada menos que 17 capitais brasileiras têm uma população maior do que isso! Inclusive, a capital da Guiana, Georgetown, tem meros 235 mil habitantes - o que faz dessa a menor capital da América do Sul, entre os países independentes.
Embora tenha sido parte dos domínios espanhóis, antes mesmo da descoberta do Brasil, a Guiana passou ao controle dos holandeses no final do século 17. Porém, em 1814, a região foi cedida ao controle do Reino Unido, que transformou o território na Guiana Inglesa em 1831. Essa situação perdurou até 1966, quando o país finalmente conseguiu sua independência do Reino Unido, embora continue sendo membro da chamada Commomwealth desde então. Por conta de sua história bastante peculiar, a Guiana é o único país da América do Sul continental que tem o inglês como idioma oficial.
Após a sua independência, a Guiana sofreu com algumas décadas de interferência estatal na economia - um mal quase onipresente em todo o subcontinente. A partir de 1990, contudo, a situação começou a mudar. O governo do país passou a adotar políticas de abertura econômica, com apoio do FMI e do Banco Mundial. Desde então, a Guiana viveu um período de rápido crescimento - algo na faixa dos 7% ao ano. Porém, foi nos últimos anos que uma verdadeira reviravolta econômica atingiu o pequeno país.
A economia da Guiana girava em torno, até então, da produção mineral de itens como a bauxita, e da agricultura, principalmente da cana-de-açúcar. Contudo, a partir de 2015, a ExxonMobil, gigante do setor petrolífero, começou a mapear os vastos campos de petróleo presentes na chamada zona econômica exclusiva da Guiana - a faixa de 200 milhas marítimas, a partir da costa, que pertence ao território soberano dos países costeiros. E a quantidade de petróleo descoberto no mar da Guiana só fez crescer, desde então.
Estima-se que a reserva já descoberta no país equivalha a 11 bilhões de barris de petróleo - o que representa ⅔ de todo o petróleo descoberto no mundo na última década. Essa reserva equivale a 75% de todo o petróleo das atuais reservas provadas brasileiras - sendo que o Brasil é um país quase 40x maior do que a Guiana. Obviamente, todo esse petróleo mudou os rumos da economia do país - e despertou a cobiça dos países vizinhos. Mas nós já vamos chegar nesse ponto.
Agora, a Guiana possui planos de elevar sua produção de petróleo até um nível superior a 1 milhão de barris por dia - e isso nos próximos 4 anos! Se essa quantidade for alcançada, a Guiana terá a maior produção per capita de petróleo do mundo. Embora a produção nominal seja muito inferior aos maiores produtores dessa commodity no planeta, precisamos nos lembrar que a Guiana é um país com uma população muito pequena.
Além da abundância de suas reservas e da boa qualidade de seu petróleo, a Guiana ainda possui outra enorme vantagem, em relação a concorrentes externos: sua proximidade geográfica com os Estados Unidos, os maiores compradores dessa commodity no mundo. Dessa forma, o petróleo da Guiana poderá ser muito mais competitivo no mercado norte-americano, representando um fluxo muito importante de dólares para o pequeno país.
Por isso, de forma geral, estima-se que o PIB per capita (ou seja, a riqueza por habitante) da Guiana chegue a US$ 35 mil em pouco tempo - um valor semelhante ao de países como a Itália. Sim, teremos, na prática, um país com índices de riqueza do padrão europeu aqui no norte do Brasil. Os resultados dessa pujança econômica já se fazem sentir: nos últimos anos, o crescimento do PIB da Guiana foi bizarro. Em 2022, esse indicador teve um aumento de inacreditáveis 62%; já, para 2023, a previsão é mais modesta, mas ainda assim quase irreal: crescimento de 37%. Não é à toa, portanto, que a Guiana é o país com o maior crescimento econômico do planeta, nos últimos anos.
É claro que, a partir daí, podemos levantar um questionamento: será que um crescimento econômico impulsionado por um único produto é algo plenamente positivo? Isso depende de uma série de fatores - dentre eles, a intervenção estatal. Muitos países que estão assentados sobre grandes reservas de petróleo, como a Venezuela e a Nigéria, atravessam, na atualidade, graves crises institucionais, e sua população permanece na miséria. Nesses casos, o problema geralmente é causado por um misto de corrupção pública, pesada interferência estatal na economia e concentração de esforços e recursos em um único produto.
Para evitar esse tipo de problema, a diversificação é abertura econômica costuma sempre ser uma boa pedida. Da mesma forma, o uso dos recursos provenientes do petróleo no desenvolvimento de uma infraestrutura de qualidade costuma representar uma herança positiva para outros setores econômicos. É claro que tudo isso funciona melhor fora das mãos do estado. Aliás, esse é, provavelmente, o segredo do atual sucesso da Guiana: a descoberta de petróleo no pequeno país se deve, mais, à ação de empresas privadas, do que de seu governo. E isso é benéfico, já que as riquezas devem ser exploradas pelos proprietários das terras que apresentam os recursos e não por governos. Quando governos se metem a explorar recursos naturais, o que sempre ocorre é a concentração dos lucros, geralmente para os funcionários de alto escalão, e a coletivização dos prejuízos, que sempre são pagos pela população mais pobre. Um grande exemplo disso são as empresas estatais aqui no Brasil.
De qualquer forma, a nação anglófona sul-americana terá muitos desafios, caso queira se consolidar como uma economia realmente forte. O país é pequeno e sua população é diminuta - o que, geralmente, acaba se tornando um grande desafio para um contínuo crescimento econômico. Ainda assim, esse objetivo não é impossível. Casos de sucesso econômico em pequenos países, como Singapura, ensinam o caminho a ser trilhado: só a liberdade econômica pode enriquecer uma nação, com ou sem recursos naturais em abundância.
Porém, o grande desafio que o petróleo da Guiana pode representar está mesmo no campo da geopolítica. A maior ameaça para os guianenses, hoje, se chama Venezuela. Ou, de forma mais precisa, o governo comunista ditatorial do país latino-americano. Poucos dias atrás, o governo de Nicolás Maduro realizou o seu famigerado referendo, cujo objetivo alegado é a anexação da região guianense conhecida como Essequibo. Esse território, que equivale a 75% do território total da Guiana, detém grande parte do petróleo recentemente descoberto no país. Obviamente, é por isso que o governo venezuelano está tão interessado no país vizinho.
Mas, afinal de contas, por que a Venezuela está de olho no petróleo de outro país, uma vez que seu próprio território possui as maiores reservas dessa commodity no mundo? A resposta para essa pergunta é relativamente simples: o petróleo da Venezuela é de uma qualidade inferior e requer um gasto maior para se tornar economicamente atrativo. Além disso, como bem sabemos, a Venezuela é hoje incapaz de explorar o seu próprio petróleo, uma vez que esse setor, totalmente estatizado, está uma verdadeira sucata.
Existe, ainda, outro ponto que não pode ser negligenciado: o interesse de Nicolás Maduro em se fortalecer no poder por meio de um conflito no exterior. Não é nenhuma novidade que ditadores, especialmente os comunistas, em momentos de crise, decidam iniciar guerras externas para reforçar o seu próprio poder interno. O ditador venezuelano tem sido pressionado, por forças exteriores, para realizar eleições limpas no país no próximo ano. Nicolás Maduro sabe que não tem a menor chance de vencer as próximas eleições, sem que haja uma evidente fraude no processo eleitoral, ou na contagem dos votos.
Uma guerra, hoje, seria vantajosa para o amigo do Lula em muitos aspectos. Isso abriria espaço para que ele declarasse um estado de exceção na Venezuela, concentrando, de vez, o poder em suas mãos. Dessa forma, qualquer chance de eleições presidenciais estaria afastada, por tempo indeterminado. Por outro lado, Maduro poderia, ainda, ter sucesso em sua nefasta empreitada, aumentando seu próprio poder e seu prestígio, às custas do território da Guiana.
E se você quer entender como seria possível para um país arruinado, como a Venezuela, se sair bem num conflito do tipo, basta olhar para os números para ver que, de fato, existe uma chance real de vitória para Maduro. Hoje, a Venezuela possui um exército 500 vezes maior que o da Guiana. A grande potência regional que poderia evitar o conflito, por meio da diplomacia - ou seja, o Brasil, - tem em Nicolás Maduro um aliado da presidência da República.
É certo que os Estados Unidos já se posicionaram a favor da defesa da integridade territorial da Guiana. Porém, já está claro, para todos, que existe dedo russo nessa história. Nicolás Maduro não está agindo sozinho; e é certo que, caso ele tenha sucesso em sua empreitada, o petróleo roubado da Guiana terá um destino certo: abastecer a máquina de guerra de Vladimir Putin. Nesse caso, não estamos falando de um mero conflito regional. A verdade é que as riquezas naturais do pequeno país sul-americano estão despertando a cobiça de muita gente grande.
O futuro econômico imediato da Guiana é uma grande incógnita, por conta de seu vizinho socialista. Enquanto essa situação não se resolve, o destino da pequena nação anglófona permanece indefinido. Todos nós, obviamente, torcemos pela paz, e para que tudo não passe de uma mera bravata de Nicolás Maduro. Se esse for o caso, a Guiana terá todas as chances de se tornar o lar de uma população extremamente rica e próspera, mesmo se localizando ao lado de um país miserável como a Venezuela. No fim das contas, o que determina essa realidade não é a abundância de recursos naturais - porque ambos os países desfrutam dessa benesse. O que determina a prosperidade econômica de um país é, de fato, a liberdade econômica.
https://revistaoeste.com/mundo/guiana-pais-com-pib-de-15-bilhoes-se-tornou-alvo-venezuela/
https://en.wikipedia.org/wiki/Economy_of_Guyana
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Guiana