Parece que, pela primeira vez em muito tempo, a França decidiu não se render.
Este é, sem dúvidas, um dos maiores plot twists da história mundial. Ou, como diria o Logan: “Charles, o mundo não é mais o mesmo”. Emmanuel Macron, o presidente da França, engrossou o tom contra a Rússia nos últimos dias, afirmando, ainda que de forma implícita, que tropas francesas poderiam entrar na Ucrânia para garantir a integridade territorial ucraniana. Se você nutre bons sentimentos em relação à França, não se sinta ofendido: nossa surpresa se deve ao histórico francês, no que se refere a diversos conflitos. E também, é claro, ao histórico do próprio Macron.
Ok, é certo que o presidente francês não foi explícito quanto a essa questão. Mas, para quem está com fome, meia baguete basta. Veja, por exemplo, a primeira declaração contundente dada por Macron, a respeito desse tema: “Diante de um inimigo que não impõe limites a si mesmo, não podemos impor os nossos”. Após essa fala, Macron ainda foi adiante, em uma nova entrevista. Desta vez, ele afirmou que “a Rússia não pode e não deve ganhar” a guerra na Ucrânia. Veja como essas suas falas diferem bastante de seu posicionamento de dois anos atrás. Naquela época, o presidente francês defendia a ideia de que a Rússia não deveria ser humilhada, no desfecho do conflito.
Ao que tudo indica, algo realmente mudou no discurso do Macron. O presidente francês ainda afirmou: “Se a guerra se espalhasse para a Europa, esta seria uma escolha unicamente da Rússia. Mas dizer hoje que não responderíamos seria aceitar uma derrota”. Veja que, de certa forma, esse discurso demonstra uma mudança na postura de Macron - deixando de ser um Chamberlain (por sinal, um nome de origem francesa), para ser algo como um Winston Churchill – é claro que sem o charuto e com uma dicção muito melhor.
À boca miúda, parece que Macron realmente afirmou que a França enviará tropas para proteger a cidade ucraniana de Odessa. Contudo, em nível oficial, o presidente francês desmentiu essa informação, pelo menos em partes, dizendo que seu governo não vai "tomar a iniciativa de escalar" o conflito. De qualquer forma, o fato de termos informações dúbias a esse respeito nos indica que as cartas, realmente, estão na mesa. E que a França de Macron, definitivamente, está preocupada com os rumos do conflito na Europa Oriental.
É claro que essas declarações não passariam batido pelo mundo político russo. O presidente fantoche do Parlamento da Rússia, por exemplo, fez menção à derrota sofrida por Napoleão em território russo - quando o exército francês de 600 mil homens foi praticamente liquidado. Esse comentário é bastante curioso, de certa forma, porque o presidente Macron não afirmou, em momento algum, que invadiria o território russo - ele deu a entender, apenas, que protegeria a Ucrânia. E se nos lembramos do contexto das Guerras Napoleônicas, veremos que a Rússia foi derrotada diversas vezes pela França, em ocasiões em que seu território original não foi invadido.
Bem, mas o que pode explicar essa mudança no tom dos discursos de Emmanuel Macron, antes tão amenos, e agora tão mais incisivos? Sem dúvidas, deve haver sim um componente de interesse eleitoral nessa história. Em junho deste ano, serão realizadas as eleições para o Parlamento Europeu - no qual a França detém, hoje, 79 assentos. De fato, o presidente francês parece ter dado uma verdadeira guinada à direita, em vários aspectos. Nós, inclusive, já falamos sobre isso aqui no canal, no vídeo: “Governo da FRANÇA aprova leis de IMIGRAÇÃO mais rígidas: MACRON virou de DIREITA?” - link na descrição.
Três semanas antes da invasão da Ucrânia, Macron se reuniu com Putin, em Moscou. Naquela época, o presidente francês afirmou que “o objetivo geopolítico da Rússia hoje claramente não é a Ucrânia, mas esclarecer as regras de coabitação com a Otan e a União Europeia”. Bem, o tempo mostrou o quanto Macron estava errado, e o quanto suas palavras, hoje, soam como uma verdadeira piada. E ele tem plena consciência disso. Sua mudança de tom, portanto, pode ser uma forma de fazer um mea culpa, em relação ao seu discurso anterior.
Mas a coisa vai além do mero interesse político. Macron sabe muito bem que uma vitória russa na Ucrânia seria um desastre para toda a Europa - e para o mundo inteiro, muito provavelmente. Veja, por exemplo, outra fala do presidente francês - novamente, no estilo Churchill: “Hoje, decidir se abster ou votar contra o apoio à Ucrânia não é votar pela paz, é escolher a derrota”. Da mesma forma, Macron afirmou, de forma categórica, como é impossível confiar na Rússia de Vladimir Putin, no que se refere à manutenção da paz: “Quem pode imaginar que a Rússia, que nunca respeitou um acordo nos últimos anos, irá parar na Ucrânia se vencer ali? Se a Rússia vencer, não haverá paz na Europa!”.
A verdade é que sim, a vitória de Putin na Ucrânia significaria a vitória da tirania e a derrota da paz e da convivência pacífica. O que está em jogo não é apenas a soberania de um país, mas sim o comprometimento de um período de relativa paz mundial – que, infelizmente, parece ter chegado ao fim. Vladimir Putin foi o responsável por dar a largada, nessa escalada de conflitos que têm castigado o mundo nos últimos meses. Sua derrota em território ucraniano, portanto, é fundamental, para que a coisa não escale ainda mais.
Mas pode isso, Arnaldo? Um libertário defender ações feitas por um estado? Vemos essa crítica sendo feita com muita frequência: não seria uma atitude libertária apoiar as ações defensivas da Ucrânia, ou o envio de recursos para o exército ucraniano, na linha de frente. Isso seria uma briga entre estados, e o povo não teria nada a ver com isso. Certamente, a opinião dessas pessoas mudaria, caso a guerra acontecesse em sua casa ou perto dela. Aliás, essa possibilidade, infelizmente, não está muito distante: não só o Brasil corre, hoje, sério risco de ser tragado para algum conflito de terceiros, como todos nós iremos para o conflito do lado errado.
“Ah, mas no fim das contas, é tudo estado!”. É engraçado como é muito fácil encontrar uma suposta “defesa libertária” contra as ações da Ucrânia, mas é raro vermos isso no que se refere à crítica à Rússia. Você quer partir para a questão da ilegitimidade do estado? Pois então, que tal incentivar os soldados russos a baixar suas armas, uma vez que eles tomaram a iniciativa da agressão? Ou melhor ainda: por que não incentivar os cidadãos russos a parar de pagar impostos? Até porque ninguém deve ser obrigado a financiar uma guerra injusta. Pois então, faça isso, mas deixe aqueles que querem apenas se defender de um agressor fazerem isso em paz!
Sim, estados são entidades ilegítimas, pela ética libertária; mas é certo que existem estados piores. Se você é brasileiro, com certeza você não gosta de ser governado pelo Lula; mas você, certamente, concorda que, se o Nicolás Maduro invadisse e conquistasse o Brasil, nossa vida seria ainda mais miserável. Veja que a Ucrânia, antes da guerra, não representava ameaça real para ninguém - nem para leste, nem para oeste. Já a Rússia, há muito tempo, representava sim um risco real, dados os seus interesses imperialistas. Pouco a pouco, os russos vinham abocanhando territórios vizinhos - com algum grau de conivência dos países da OTAN, diga-se de passagem.
Contudo, agora o ponto de ruptura parece ter sido alcançado. E, de fato, se a Rússia não tivesse sido parada na Ucrânia, os conflitos certamente já teriam escalado. A OTAN sabe disso muito bem - e a França também tem essa plena convicção. Bloquear e repelir o avanço criminoso dos russos não vai apenas garantir aos ucranianos sua autodeterminação: vai também dissuadir futuras invasões, por parte da Rússia imperialista.
Melhor ainda: mesmo outros países, como a China, agora vão pensar duas vezes antes de iniciar uma guerra de agressão. O caso ucraniano demonstrou, de forma evidente, que um país maior não pode, simplesmente, se apoderar de um país menor. Agora, até mesmo Taiwan poderia ter chances de suportar um ataque chinês; e talvez, nem mesmo Xi Jinping esteja disposto a pagar para ver. Tudo isso se deve ao fato de que, num primeiro momento, a Ucrânia não se rendeu à agressão russa.
Ver a França garantindo seu apoio à Ucrânia, ainda que, por enquanto, apenas no discurso, é muito importante - principalmente num momento em que o apoio aos ucranianos parece arrefecer em alguns setores do Ocidente. Esse apoio, sem dúvidas, pode fazer toda a diferença. Em 732, os francos não se renderam aos invasores do Califado Omíada. Caso tivessem baixado as armas, a história da Europa – e provavelmente da humanidade toda – seria bem diferente. Por outro lado, se a França não tivesse decidido se render à Alemanha, em junho de 1940, provavelmente a história humana não teria sido tão trágica nos anos seguintes.
Embora não seja possível afirmar com precisão para o onde passado teria ido, a depender de decisões tomadas em algum momento, ou de para o onde vai se encaminhar o futuro, com base em decisões atuais, uma coisa é certa: a covardia diante do agressor garante a esse criminoso não apenas a certeza da impunidade, mas também o incentivo para progredir em sua agressão. Macron acertou em seu posicionamento, não apenas por demonstrar que a Ucrânia não está sozinha, em sua justa defesa; mas, também, por afirmar, sem rodeios, que a Rússia está completamente errada nessa história.
https://www.cartacapital.com.br/mundo/a-seguranca-dos-franceses-esta-em-jogo-diz-macron-em-entrevista-sobre-conflito-ucrania-russia/
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/russia-diz-que-franca-ja-esta-envolvida-na-guerra-da-ucrania-apos-fala-de-macron/
“Governo da FRANÇA aprova leis de IMIGRAÇÃO mais rígidas: MACRON virou de DIREITA?”
https://www.youtube.com/watch?v=MeGnYXmDRBw