O presidente americano, Donald Trump, para variar, criou mais um tarifaço de 100%. Desta vez, mirou nos filmes criados fora dos Estados Unidos. Será que ele virou aluno do Fernando Haddad?
No dia 4 de maio, o presidente americano, Donald Trump, reacendeu o debate internacional sobre o protecionismo ao anunciar na sua conta na rede Truth Social, mais um tarifaço. Desta vez de 100% sobre filmes produzidos fora dos Estados Unidos. A medida, de caráter imediato, foi justificada pelo próprio presidente como uma tentativa de proteger a indústria cinematográfica norte-americana diante da crescente tendência de estúdios filmarem no exterior, em busca de incentivos fiscais, custos reduzidos e logística facilitada. Essa política do presidente americano é mais um episódio perturbador de pesadas tarifas que o governo Trump tem aplicado no mundo, afetando ainda mais a economia global.
O republicano acusou os governos estrangeiros de "roubarem a indústria de cinema americana", classificando os incentivos de outros países como subversivos e uma ameaça direta à segurança econômica e cultural dos EUA. Em sua visão, essa "fuga de produções" enfraquece a economia doméstica, destrói empregos locais e mina a identidade cultural nacional.
O presidente americano declarou : "A indústria cinematográfica americana está morrendo muito rápido. Outros países estão oferendando todos os tipos de incentivos para atrair nossos cineastas e estúdios para longe dos Estados Unidos. “Portanto, autorizo o Departamento de Comércio e o Representante Comercial dos EUA a iniciar imediatamente o processo de instituição de uma tarifa de 100% sobre todos os filmes produzidos em terras estrangeiras que chegam ao nosso país. QUEREMOS FILMES FEITOS NA AMÉRICA, NOVAMENTE!”"
Ele afirmou, textualmente, que "Hollywood está morrendo muito rapidamente" e que é necessário "agir com firmeza". Segundo os dados mais recentes de Motion Picture Association, a produção cinematográfica, gerou, em 2022, 2,3 milhões de empregos e 279 bilhões de dólares. O que indica que a indústria audiovisual americana é parte crucial da economia do país mais rico do mundo. Outro dado também nos chama a atenção: os 5 locais de produção mais cobiçados neste ano, ficam fora dos Estados Unidos. A cidade de Toronto ocupa o primeiro lugar, seguido por Grã-Bretanha, Vancouver, Europa Central e Austrália. Só depois aparece a Califórnia, em sexto lugar.
Após o anúncio do presidente, o Departamento de Comércio e o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos iniciaram os trâmites formais para aplicar a tarifa, sem qualquer debate legislativo prévio. Howard Lutnick, secretário do Departamento de Comércio, escreveu na mesma rede da postagem de Trump em letras garrafais: "Queremos filmes feitos nos Estados Unidos novamente!".
Apesar de a medida ter um caráter imediato, os detalhes ainda não estão esclarecidos. Por exemplo, não se sabe se as tarifas serão aplicadas apenas a filmes estrangeiros exibidos nos EUA ou se incluirão produções americanas gravadas fora do país. Outra dúvida é se a medida afetará séries de televisão e produções de streaming, como as da Netflix, Amazon Prime e outras plataformas.
Embora a retórica protecionista de Trump tenha apelo entre certos segmentos eleitorais, analistas econômicos alertam que, no longo prazo, medidas como essa tendem a isolar mais do que a proteger. A indústria do entretenimento funciona em cadeias de produção globais: roteiristas, editores, animadores, estúdios e talentos colaboram frequentemente a partir de diversos países. Cerca de 50% das filmagens de grandes estúdios americanos já ocorrem fora dos EUA, especialmente em locais com infraestrutura consolidada e subsídios generosos, o que reduz drasticamente os custos e aumenta a eficiência. Entre esses locais estão o Reino Unido, o Canadá e a Nova Zelândia.
Barreiras tarifárias a esse modelo colaborativo pode prejudicar a competitividade da própria Hollywood. Além disso, especialistas apontam que a medida ignora o papel crescente do streaming, onde o conteúdo é mais diversificado e o público global exige variedade cultural. Plataformas como Netflix e Amazon Prime têm investido pesado em conteúdo local em diversos idiomas. Taxar de forma indiscriminada essas produções, pode gerar um efeito reverso: o público americano passaria a ter menos acesso a conteúdos internacionais, empobrecendo a oferta cultural no próprio país.
Historicamente, o cinema norte-americano sempre contou com subsídios indiretos e proteção institucional, seja por meio de isenções fiscais, investimentos em infraestrutura ou acordos diplomáticos que facilitam a entrada de seus filmes em outros mercados. Ao impor essa tarifa, Trump aprofunda uma contradição: o governo quer manter seus privilégios de exportação cultural, mas quer dificultar ao máximo a entrada de filmes estrangeiros no país. No entanto, a política que será adotada representa uma virada ainda mais radical. Em vez de incentivar a produção doméstica com inovação, desregulamentação ou estímulo ao empreendedorismo criativo, opta-se pela coerção tarifária.
Essa política tarifária, embora aparentemente voltada à indústria do cinema, faz parte de uma estratégia mais ampla de campanha, onde Trump usa o discurso nacionalista para reconquistar parte do eleitorado industrial do "cinturão da ferrugem" - regiões economicamente fragilizadas onde há maior apelo por medidas protecionistas. Localizada no nordeste dos Estados Unidos, região é composta pelos estados de Michigan, Minnesota, Ohio, Iowa, Pensilvânia e Wisconsin.
O problema é que ao mirar o setor cultural com ferramentas econômicas típicas de guerra comercial, o presidente americano pode estar mexendo em uma engrenagem muito sensível. A cultura é considerada um instrumento de "soft power" dos americanos, ou seja, é uma ferramenta que os Estados Unidos usam para influenciar outros países e se promover sem usar meios coercitivos como intervenções militares e tarifas pesadas (hard power). Os americanos sempre souberam utilizar esses meios ao longo dos séculos XX e XXI. Agora, se filmes americanos forem vistos como expressão de uma política comercial agressiva, seu prestígio pode ser reduzido, o que seria um revés simbólico para a imagem internacional do país.
À luz do pensamento libertário, a nova tarifa proposta do Trump revela, mais uma vez, o vício autoritário e intervencionista dos Estados modernos, independentemente de sua retórica política. O Estado, ao invés de permitir que o mercado se autorregule e que a concorrência natural recompense os melhores produtos e serviços, decide arbitrariamente qual setor "merece" proteção, e quem deve pagar o preço por isso.
A tarifa de 100% sobre filmes estrangeiros é, na prática, uma censura econômica disfarçada de política cultural. Ela limita o acesso do público americano à diversidade artística mundial e obriga o consumidor a pagar mais por menos variedade. Para todo defensor do livre mercado, as tarifas representam um ato coercitivo e imoral que infringe o direito de escolha do consumidor e interfere nas trocas voluntárias entre indivíduos e empresas. Trata-se de um confisco indireto: o Estado impede que cidadãos comprem livremente o que desejam, a preços mais competitivos, apenas para proteger setores que não conseguem sobreviver sem ajuda estatal.
O argumento de "segurança nacional", frequentemente usado como pretexto, é vazio neste contexto. O cinema não é um armamento. É uma forma de expressão cultural e artística. Proteger estúdios hollywoodianos da concorrência internacional é admitir que eles não são competitivos por si mesmos, o que contradiz as décadas de supremacia global da produção audiovisual americana. E mesmo aqueles que gostam de dizer que filmes estrangeiros são contaminadas por propagandas e ideologias de outros países, estão ignorando o fato de que num mercado cultural livre, há sempre os dois lados da moeda. Ou seja, as pessoas estarão expostas a todas as versões de um acontecimento e poderão tirar suas próprias conclusões, sem serem censuradas. A melhor arma contra mentiras e narrativas ideológicas é a verdade, e não a censura.
Ao se colocar como ""protetor da cultura nacional", o governo dos EUA se coloca no papel de curador daquilo que seus cidadãos devem ou não assistir. A cultura é viva, fluida, dinâmica e deve florescer onde houver demanda, criatividade e liberdade de produção. Se um filme indiano, francês ou coreano conquista espaço entre o público americano, isso não representa uma ameaça, apenas reflete as demandas dos consumidores. A concorrência no setor cultural representa melhor a diversidade e a livre escolha. Como libertários, acreditamos que a cultura, como qualquer outro bem ou serviço, deve se sustentar pela preferência espontânea das pessoas, não por decretos autoritários.
Não dá para esconder que o protecionismo, por mais popular que soe em campanhas eleitorais, é uma ilusão econômica e uma injustiça ética. Ele sacrifica o direito de escolha dos indivíduos em nome de interesses corporativos e decisões politicas centralizadas, beneficiando apenas poucas figuras poderosas do mercado. É dever de quem defende a liberdade questionar esse modelo e propor, em seu lugar, uma sociedade onde o valor cultural e econômico de um produto é determinado por seus méritos e não por decretos estatais.
https://www.cartacapital.com.br/mundo/trump-anuncia-tarifas-de-100-sobre-filmes-produzidos-no-exterior/
https://www.folhape.com.br/noticias/donald-trump-anuncia-tarifa-de-100-para-filmes-estrangeiros/408916/
https://www.opovo.com.br/noticias/economia/2025/05/05/trump-anuncia-tarifa-de-100-para-filmes-produzidos-fora-dos-estados-unidos.html