Se o estado não regulasse a energia, não teríamos um serviço barato e de qualidade. Será que essa máxima tem um resquício de verdade?
Desde as grandes chuvas do verão de 2023 e 2024, houve muito debate sobre o papel das concessionárias no tocante aos prejuízos causados pelos temporais e a ação do estado sobre o setor elétrico. Discutiu-se quase tudo, desde o ressarcimento dos clientes prejudicados até a provável reestatização do setor. Porém, não debateram o primordial: a real causa da precária situação da indústria de geração e transmissão elétrica brasileira.
Para explicar tais nuances, voltemos no tempo. Mais precisamente para a metade do século XIX. Neste período, a Segunda Revolução Industrial estava a todo o vapor com o surgimento e desenvolvimento de diversos setores que moldam o nosso atual cotidiano, entre elas o transporte ferroviário e a eletricidade. O primeiro foi primordial para o crescimento do setor agrícola no período, cujo carro-chefe era o café. Graças às ferrovias, diminuiu-se a perda do produto durante o trajeto e agilizou o transporte das fazendas aos portos. Isso, favoreceu a expansão do mercado e a popularização do nosso querido cafezinho, que continua líder até os dias atuais. Portanto, agradeça as ferrovias brasileiras por poder tomar seu cafézinho quentinho em qualquer lugar do mundo.
Com as ferrovias, vieram também a eletricidade, que contribuía para a produtividade agrícola e o maior conforto e segurança para as cidades. Este último local, viviam o grosso da aristocracia e do empresariado brasileiro. O pontapé inicial foi em 1852, com a inauguração da primeira linha telegráfica do país entre o Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista e o Quartel Central no Campo da Aclamação, atual Campo de Santana, no Rio de Janeiro, a antiga capital do país. Em 1857, foi a vez da primeira experiência de iluminação pública devido ao baile em homenagem ao então imperador Dom Pedro II.
Até a República Velha, o setor privado foi o principal motor para o desenvolvimento da infraestrutura elétrica, sendo responsável por diversas construções de usinas e da distribuição em centros urbanos. Por consequência, diversas indústrias se estabeleceram no país e fomentaram uma explosão tanto econômica quanto demográfica, turbinado pelo êxodo rural e pela grande leva de imigrantes vindas da Europa e Ásia. Tal cenário se manteria até a ascensão de uma conhecida figura política que mudaria drasticamente as regras do jogo. Sim, ele, Getúlio Vargas, o fascista tão querido pela esquerda tupiniquim, conhecido pela alcunha de gordinho suicida.
Graças a ele, o estado tomou para si como o grande agente da expansão e da distribuição de luz pela nação. O primeiro pontapé foi em 1934 com a promulgação do Código de Águas, no qual a União ficou responsável pelo controle dos recursos hídricos. Como as hidrelétricas são, ainda hoje, responsáveis pela produção elétrica, foi um duro golpe para o setor privado. Em seguida, criou-se o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, órgão ligado à Presidência da República para regular o setor. Desde então, a infraestrutura elétrica, que era descentralizada nos principais centros urbanos, tornou-se cada vez mais centralizada graças a criação de mais estatais, como a Eletrobrás, em 1962. E como o estado estava onipresente, potencializou no setor as mazelas típicas das estatais, como as negociatas políticas, compras de equipamentos e materiais de menor qualidade, além de possíveis irregularidades que agravaram o sucateamento de tal serviço. Graças a tais decisões, ainda sofremos tal herança maldita, cuja vulnerabilidade continua real até os dias atuais. Podemos perceber isso com o apagão ocorrido em quase todos os estados em 15 de agosto de 2023.
Diante da incapacidade das estatais em investirem no setor, o então presidente Collor cria, em 1990, o Programa Nacional de Desestatização, objetivando a retirada da responsabilidade da União em diversos ramos econômicos, dentre elas o setor elétrico. No governo FHC, houve a implementação do regime de concessão para a prestação de serviços públicos e a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica, a ANEEL, que controla e regula o setor, e do Operador Nacional do Sistema Elétrico, o ONS, gerente do Sistema Integrado Elétrico nacional. Apesar do controle da infraestrutura e da distribuição continuar nas mãos do estado, certamente possibilitou maiores investimentos e, por consequência, maior eficiência, pois a maioria das amarras existentes nas estatais não existiam mais.
De volta a atualidade. Há a possibilidade da Enel, concessionária de energia elétrica da Região Metropolitano de São Paulo, ter a concessão cassada pela ANEEL por não cumprimento de regras técnicas, operacionais e financeiras para continuar com a prestação de serviço. Logo, o contrato sofrerá “caducidade” e a área de abrangência será licitada novamente. Se fosse só isto, estaria dentro da normalidade. Afinal, o processo ocorre segundo a legalidade. Portanto, o buraco é bem, mas bem mais fundo.
Segundo a G1, há um racha interno de cunho político na agência reguladora. Em 02 de abril, Helvio Guerra, Fernando Mosna e Ricardo Tili, diretoras de ANEEL, queixaram-se das declarações do diretor-geral, Sandoval Feitosa, sobre o congelamento das tarifas no Amapá. Segundo eles, tais medidas trazem insegurança jurídica e regulatória ao setor. Feitosa, ligado ao senador Ciro Nogueira (PP), e Mosna, relacionado com o senador Marcos Rogério (PL), disputam entre si o cargo-mor da autarquia. Os dois têm obtido apoios apertados cujos placares das decisões se resultam, na maioria, em 3x2. Diante de tal caos, representantes do setor elétrico se queixam que tal ambiente atrapalha o andamento de processos importantes.
Enfim, diante de tal imbróglio, quem sofre mais é o consumidor que, por não ter outro meio viável de obter uma eletricidade barata, confiável e de qualidade, é refém de desnecessárias disputas entre facções da quadrilha estatal. Isso é uma realidade semelhante aos indivíduos sob julgo de máfias ou milícias, nos quais sofrem graves represálias caso não paguem determinadas taxas em dia. Aliás, o estado é o maior das máfias.
Se o setor elétrico brasileiro se livrasse das amarras da ANEEL e fosse regulado apenas pelo livre-mercado, os serviços seriam mais baratos e de melhor qualidade, não devido à benevolência das companhias, mas pela livre-concorrência. Afinal, ninguém quer ficar para trás de um concorrente que ofereça um serviço melhor e com menor custo para o cliente. Além disso, atualmente existem soluções muito mais descentralizadas. As placas solares que hoje forram os telhados de milhares de casas pelo Brasil, podem ser micro-geradoras de energia na qual o excesso pode ser vendido para as casas próximas, diminuindo assim o custo e a perda pela transmissão. Isso poderia ser feito se houvesse um sistema simples de compra e venda de energia, o que provavelmente irá acontecer, caso haja a desestatização e desregulamentação deste setor tão importante para nossa vida cotidiana.
Entretanto, há alguns que argumentam do tal “monopólio natural” de certos setores, no qual inclui o de energia elétrica. Porém, eles esquecem que o nosso setor de telecomunicações, apesar de também ser altamente regulado, quebrou tal paradigma. Em várias regiões, desde as metrópoles até os rincões mais esquecidos, há diversas empresas de pequeno porte que derrubam as grandes campeãs nacionais, e por serem mais próximos da livre concorrência, são mais competitivas devido ao preço, a agilidade no atendimento ao cliente e na melhor qualidade de serviço.
E se os cabos ADSL e as fibras óticas não conseguirem alcançar regiões inóspitas, não se preocupe! O livre-mercado irá oferecer novos meios para atender a demanda dos insaciáveis clientes. Veja a tão perseguida e aclamada Starlink, de Elon Musk, na qual oferece uma enorme porta de entrada ao mundo de novidades e conhecimento para milhões de ribeirinhos antes isolados do mundo externo.
Enfim, a grande salvação está no mercado, no qual se cria novas soluções para atender o principal agente, o consumidor, e não nas 1001 soluções que o estado oferece que, no fim, são somente pastéis de vento. Somente com as tecnologias descentralizadas e distribuídas, o PNA, as trocas voluntárias e o livre-mercado, conseguiremos nos livrar das amarras dos burocratas e a tal famigerada grande elite socialista. Pode não ser agora, mas esta será a realidade daqui a algumas décadas. Portanto, preparem-se, pois o Ancapistão vem aí!
Da Centralização à Abertura: A Evolução Histórica do Setor Elétrico Brasileiro - https://aquare.la/da-centralizacao-a-abertura-a-evolucao-historica-do-setor-eletrico-brasileiro/
Energia elétrica no Brasil: breve cronologia do setor elétrico brasileiro - https://memoriadaeletricidade.com.br/artigos/119106/energia-eletrica-no-brasil-breve-cronologia-do-setor-eletrico-brasileiro
Mapa mostra impacto de apagão nacional em mais de 20 estados e DF - https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/08/15/mapa-mostra-impacto-de-apagao-nacional-em-mais-de-20-estados-e-df.ghtml
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Elon Musk domina internet por satélite na Amazônia com antenas em 90% das cidades - https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2edkw84zmo