Decorridos cinco meses do auge da violência no Equador, o país ainda continua submetido a um estado de emergência, por conta da ação de grupos criminosos.
Poucos dias atrás, foi divulgada uma notícia de que o governo dos Estados Unidos, por meio de seu Departamento do Tesouro, impôs sanções econômicas a uma gangue equatoriana, bem como a seu principal chefe. Trata-se da organização Los Lobos, comandada pelo bandido equatoriano conhecido como “Pipo”. Essa organização é uma das mais fortes gangues em atuação no pequeno país latino-americano. No mês de fevereiro deste ano, outra gangue equatoriana, a Los Choneros, também foi colocada sob sanções norte-americanas.
Vendo esse caso, nos volta à memória o caso das gangues equatorianas. As notícias a respeito da crise de segurança no Equador parecem distantes no tempo. Foi em janeiro que o caos tomou conta do país e se tornou notícia internacional. O caldo começou a entornar quando o líder dos citados Choneros, de alcunha “Fito”, desapareceu da cadeia onde cumpria uma pena de 34 anos, no dia 8 daquele mês. Após essa fuga, diversos motins se espalharam pelos presídios do país. Nessa confusão, outro chefão do tráfico, conhecido por “El Savage”, também fugiu da prisão.
No dia 9 de janeiro, bandidos fortemente armados interromperam uma transmissão ao vivo de uma emissora de Guayaquil, aparecendo em todas as TVs do país. No dia seguinte, o presidente recém-eleito, Daniel Noboa, decretou um “conflito armado interno” contra as gangues criminosas que assolam o Equador. A partir daí, iniciou-se um estado de emergência nacional.
Acredite ou não, mas desde janeiro, quando houve o pico das ações violentas das gangues, o Equador permanece com a maior parte de seu território em estado de emergência. A última prorrogação desse estado aconteceu em 22 de maio, quando o presidente equatoriano manteve por mais 60 dias essas condições em 24 províncias equatorianas. Ou seja: a situação equatoriana está longe de ser controlada.
De acordo com a lei do Equador, um estado de emergência permite às forças policiais entrar em casas particulares e violar correspondências sem autorização judicial prévia. Por sinal, há a suspeita de que vários assassinatos foram cometidos por forças estatais, sem qualquer tipo de respaldo jurídico, durante esse período de vigência do estado de emergência.
Acontece que os problemas de segurança no Equador não começaram em janeiro deste ano; afinal de contas, estamos falando da América Latina, a região mais violenta do mundo. Durante o ano passado, quase 8 mil pessoas perderam a vida de forma violenta no Equador - um recorde para o pequeno país. Contudo, desse total, menos de 600 casos foram solucionados pela polícia. Ou seja: por lá, o crime é cometido e, na extrema maioria dos casos, permanece impune.
Foi no ano passado, inclusive, que um dos candidatos à presidência do país foi assassinado, em um evento público. Trata-se de Fernando Villavicencio, jornalista conhecido por denunciar publicamente a relação entre as máfias criminosas do país e agentes estatais. Nós falamos sobre esse tema no vídeo: "Candidato à PRESIDÊNCIA do EQUADOR é ASSASSINADO a tiros" - link na descrição. Esse crime bárbaro, que deixou outras 9 pessoas feridas, nos dá dimensão do problema equatoriano.
De forma geral, os especialistas apontam para 2 causas principais por trás dessa grave situação social e criminal. Em primeiro lugar, é preciso frisar que o Equador é uma excelente rota de tráfico internacional de entorpecentes. Cerca de 1/3 de toda a cocaína produzida na Colômbia passa pelo Equador, de onde a droga segue para a América do Norte e para a Europa - via canal do Panamá, é claro. O Equador também é um destino preferencial para a droga produzida no Peru, país com o qual a nação do centro do planeta faz fronteira.
O fluxo de materiais ilícitos para o território equatoriano fortalece as gangues locais, que se tornam cada vez mais numerosas e violentas. Estima-se que o crime no país seja, atualmente, comandado por 20 organizações que se enfrentam em conflitos cada vez mais sangrentos. Essas gangues, por sua vez, se aliaram a cartéis estrangeiros, agindo de forma conjunta com esses interesses externos. Ou seja: o Equador vinha de uma escalada de criminalidade que, em algum momento, desequilibraria a paz social do país por completo.
Uma segunda causa apontada pelos especialistas seria a reação das gangues criminosas ao resultado das eleições presidenciais do ano passado. O então presidente, Guillermo Lasso, dissolveu o Parlamento em meados de 2023 - algo que, atendendo à lei equatoriana, adiantou as eleições presidenciais. Daniel Noboa foi eleito, portanto, para um mandato de apenas 18 meses, cobrindo o restante do mandato de Lasso. Acontece que algumas de suas propostas vão de encontro aos interesses das gangues, que teriam respondido a essas medidas de forma violenta.
É claro que esse tipo de situação é extremamente complexa, tanto em suas causas, quanto em suas consequências. O que é mais simples de entender, contudo, é a posição libertária a respeito desse tema. Pela ótica da ética do libertarianismo, podemos aprender importantes lições a respeito do caso do Equador. Em primeiro lugar, isso reforça nossa percepção de que o estado não só é incapaz de garantir a paz, como ele promove o crime, se aliando às facções e gangues, como é comum acontecer.
Em segundo lugar, precisamos falar do grande problema que a guerra às drogas representa. Não obstante o fato de que inúmeros membros da direita política fazem coro à necessidade de endurecer ainda mais o combate à venda de substâncias ilícitas, a verdade é que essa campanha resultou em uma tragédia social sem precedentes. E isso vale não apenas para o Equador, mas para o mundo todo!
Precisamos aceitar a verdade libertária, por mais incômoda que ela seja: o tráfico de drogas é um crime sem vítima - portanto, não é um crime de verdade. Produzir, vender e comprar substâncias tratadas como ilícitas pelo estado são ações voluntárias que, de forma estrita, não representam ameaça ou violência contra ninguém. Criminalizar essas ações, portanto, não faz o menor sentido, do ponto de vista ético. Tirando a contradição de legalizar algumas drogas como tabaco e a bebida alcoólica para decidir pela proibição de outras substâncias por uma questão de conveniência, o que contradiz a própria lógica proibicionista.
“Ah, mas usar drogas faz mal à saúde!”. Sim, isso é verdade. “Ah, mas o uso de drogas cria uma horda de zumbis nas cidades!”. Verdade também! “Ah, mas o vício em entorpecentes destrói famílias!” Sim, eu não poderia concordar mais com você a esse respeito. Mas desde quando combater as drogas mudou esse cenário? Todas essas mazelas sociais continuam acontecendo - acompanhadas, porém, de diversos agravantes.
Por conta da perseguição estatal, comerciantes pacíficos de substâncias ilícitas são gradualmente substituídos por criminosos de verdade - muitas vezes, por meios violentos. A partir daí, formam-se verdadeiros cartéis da atividade criminosa, especializados na eliminação violenta da concorrência e na cobrança coercitiva dos devedores. Afinal de contas, essa atividade econômica, sendo ilegal, não possui respaldo no aparato jurídico estatal. O tráfico de drogas, portanto, se torna um prato cheio para bandidos da pior espécie.
Por outro lado, a liberdade total para a produção, para o comércio e para a produção de substâncias hoje consideradas ilícitas evitaria todos esses problemas. Não nos entenda mal: não estamos passando pano para os faccionados. Eles não se tornariam pacatos vendedores de entorpecentes, se o tráfico fosse legalizado. Eles se tornariam assaltantes de bancos, sequestradores e matadores de aluguel. Esses bandidos só estão no tráfico porque essa é a atividade que mais dá dinheiro.
Não é um exagero, portanto, afirmar que a famigerada guerra às drogas, travada desde os anos 1970, apenas piorou a criminalidade no mundo inteiro. A partir dessa iniciativa estatal, as disputas entre gangues, bem como os conflitos com a polícia estatal, se tornaram mais violentos. Cidadãos inocentes se tornaram reféns das facções criminosas, enquanto que as disputas evoluíram de trocas de tiros para crimes brutais, que não poderiam ser descritos aqui sem que o canal perdesse a monetização deste vídeo.
Por outro lado, as drogas se tornaram mais fortes e de pior qualidade, porque a tarefa de traficar as substâncias envolve um grande risco para os bandidos. Ou seja, eles precisam lucrar mais para cada grama de droga comercializada. Assim, drogas mais viciantes começaram a ser comercializadas, transformando seus usuários em verdadeiros zumbis e arruinando sua saúde em pouco tempo. Me diga se isso parece mesmo uma vitória, em termos de políticas públicas?
Enfim: os próximos meses nos mostrarão os resultados de mais essa rodada de combate às drogas no Equador. É bem provável que, no longo prazo, vejamos apenas o recrudescimento da criminalidade, sem que qualquer problema seja solucionado. Afinal de contas, não é exatamente isso o que tem acontecido, ano após ano, década após década, na guerra contra as drogas?
Esse debate, contudo, ainda nos abre margem para a análise de outra situação - no caso, da situação brasileira. Ou você acha que o Brasil é muito diferente do Equador? Lembre-se de que certa facção criminosa mantém um diálogo cabuloso com certo partido político; e de que essa mesma facção, supostamente, negociou com certo vice-presidente o fim de atos criminosos em certo estado brasileiro. Essa mesma organização criminosa domina contratos públicos de ônibus, postos de gasolina e, segundo investigações, trabalha para infiltrar juízes e promotores na máquina estatal. Falta mais o que, para considerarmos o Brasil um país tomado pelo crime organizado? Um ex-condenado na cadeira da presidência da República é o suficiente?
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/estados-unidos-impoem-sancoes-a-gangue-e-lider-criminoso-do-equador/
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/05/23/presidente-do-equador-declara-novo-estado-de-emergencia-de-seguranca.ghtml
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2ezk9z3nlo
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cl79pqr1072o
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/08/09/candidato-a-presidencia-do-equador-e-assassinado.ghtml
Candidato à PRESIDÊNCIA do EQUADOR é ASSASSINADO a tiros:
https://www.youtube.com/watch?v=GjhKtUUBYYU