CLUBES de FUTEBOL processam PEQUENOS EMPREENDEDORES por causa de BOLOS e CANECAS personalizados

Numa atitude antiética e completamente inútil, do ponto de vista econômico, times de futebol decidiram sacanear seus próprios torcedores para arrancar uns trocados de pequenos empreendedores.

Uma recente polêmica envolvendo clubes de futebol brasileiros e empreendedores locais tem dado o que falar. Há poucas semanas, surgiu a notícia de que times de grande repercussão nacional, como Palmeiras e Vitória, teriam ameaçado pequenos comerciantes com a possibilidade de processos judiciais. Além disso, esses clubes teriam exigido indenizações desses pequenos empreendedores. O motivo? Muito simples: o uso dos escudos dos times na confecção de presentes e até mesmo de bolos de aniversário.
Todo esse rebuliço estaria sendo arquitetado pela empresa Nofake, especializada em defender os “direitos de imagens” dos clubes de futebol, e que os estaria representando nessas querelas extrajudiciais. Encontrar os alvos é algo relativamente simples: os empreendedores, que fabricam coisas como canecas e roupas de praia, bem como itens de festas de aniversário que costumam contar com bolos personalizados, geralmente usam suas redes sociais para divulgar seu trabalho. Dessa forma, tendo em mãos a “prova do crime”, fica fácil pressionar os pequenos comerciantes a atender às demandas dos grandes clubes.
Segundo relatos dos próprios empreendedores, a Nofake entrou em contato solicitando não apenas a exclusão das postagens em redes sociais que contenham os itens fabricados com o uso da marca dos clubes, mas também exigindo o compromisso de nunca mais agir dessa forma. A cereja do bolo, é claro, é a cobrança de uma indenização, para que a questão não seja resolvida na esfera judicial. Tal indenização costuma variar entre R$ 1.500 e R$ 2 mil. Muita grana para os pequenos comerciantes, sem dúvidas.
Eu sei, isso parece algo surreal que, dada a forma como o contato é feito, soa até mesmo como um golpe para tirar dinheiro de pessoas desavisadas. A verdade, contudo, é que isso é real: não apenas esses casos são cada vez mais frequentes, como os próprios clubes assumiram ter contratado os serviços da citada Nofake. Alguns, inclusive, se manifestaram, tentando justificar isso, que é uma verdadeira sacanagem com os torcedores que se dispõem a gastar uns trocados para honrar a imagem do seu time de coração.
Exposto o caso, vale a pena fazer algumas reflexões a seu respeito. É claro que, no cerne de toda essa questão, está a definição de “propriedade intelectual” - e entram, aí, as marcas e suas identidades visuais, como os escudos dos clubes. Nesse sentido, a Nofake usou a cartada da “lei positivada” para justificar suas ações. Segundo a própria empresa: "Conforme a legislação brasileira, os clubes de futebol detêm o direito exclusivo de uso de suas marcas em todo o território nacional". Isso, por sua vez, justificaria a perseguição aos pequenos comerciantes.
Embora isso possa fazer algum sentido, do ponto de vista da lei estatal - embora qualquer juiz, sem dúvidas, fosse considerar a proporcionalidade do caso, - o fato é que, na ética libertária, propriedade intelectual é algo inexistente. Esse assunto já foi explicado de forma clara e precisa em um vídeo do canal Ancapsu Classic, de nome: “Quem precisa de propriedade intelectual?” - link na descrição.
Mas, em linhas gerais, só pode ser considerado propriedade algo que é escasso - ou seja, que tem materialidade, não estando disponível para uso simultâneo de dois agentes distintos. Ideias, marcas, nomes e desenhos (como os escudos de clubes) não são bens escassos. Quando alguém copia alguma dessas coisas, o material original continua disponível - por se tratar, como o nome sugere, de uma mera cópia. A propriedade do criador desse item imaterial não é diminuída; ou seja, não houve qualquer tipo de violação à propriedade. Logo, não há nada de antiético na cópia.
Infelizmente, o estado, por ser um ente antiético, não está nem aí para a lei natural, nem para os fundamentos do libertarianismo. O que vale é a sua lei distorcida que, como nos mostra este caso, costuma ser bastante ilógica. Na verdade, toda essa história não passa de uma baita sacanagem protagonizada por grandes clubes brasileiros, que querem apenas prejudicar empreendedores com pouca capacidade econômica e, de quebra, seus próprios torcedores.
É claro que alguém pode afirmar que a prática desses pequenos comerciantes prejudica os clubes, uma vez que estes agora vendem menos artigos customizados com seu escudo, seu mascote e seu conjunto de cores. Obviamente, isso não se aplica a bolos e festas temáticas - coisas que, tipicamente, os clubes não fazem. Mas, sem dúvidas, pode ser o caso de canecas e camisas - itens comercializados por todos os clubes brasileiros, em suas lojas oficiais e em seus sites.
Contudo, também há, aí, certo grau de incompreensão - desta vez, de leis econômicas básicas. Um sujeito que compra uma camisa falsificada de seu clube do coração não está prejudicando o time. Essas falsificações tendem a ser grosseiras, de qualidade muito inferior ao material vendido pelo clube. Quem compra esses itens copiados o faz para demonstrar seu amor pelo time, mas não dispõe de recursos para adquirir produtos “oficiais”. Veja que, nesse caso, a alternativa para esse torcedor pobre não seria comprar o item original, mas sim, não comprar item nenhum. Dessa forma, o clube não está sendo prejudicado, porque a camisa original não seria vendida para esse cara, em nenhuma das hipóteses.
Mas o problema de compreensão não para por aí! Quando um indivíduo veste uma camisa de determinada marca - seja ela relacionada a um clube de futebol, ou não - ele está fazendo uma propaganda para essa grife. Isso chega a ser curioso: ao invés de receber para veicular uma marca em seu corpo, como os próprios jogadores de futebol fazem, o consumidor padrão paga para fazê-lo! Em outras palavras: cada torcedor vestido com a camisa do seu time - original ou copiada - nada mais é do que um divulgador dessa marca. Como isso poderia representar um problema para o clube?
Mas nós podemos fazer, ainda, uma consideração de certa forma filosófica a respeito desse tema. Afinal de contas, o que faz um clube: sua diretoria, os cartolas que comandam os negócios e direcionam as atividades, ou os torcedores que, desde sempre, sustentam e suportam o time? Se pensarmos na realidade do futebol brasileiro, é possível até aceitar o fato de que um clube de futebol é uma abstração que pertence, ao mesmo tempo, a cada um e a todos os seus torcedores. O fato de a lei do Brasil, o país do futebol, possibilitar aos dirigentes de um clube tiranizar os torcedores é de um absurdo sem tamanho!
É como quando manifestantes de direita são criticados por vestir a camisa da seleção brasileira - tratada por jornalistas de esquerda como sendo a “camisa da CBF”. Isso não faz o menor sentido! A seleção brasileira é uma entidade muito superior a qualquer confederação de cartolas burocráticos, e o conjunto de cores que caracteriza o uniforme canarinho é mais do que a propriedade de determinado clubinho de ricaços do ramo do futebol. Essa camisa faz parte da cultura brasileira, que é imaterial e não tem dono. Ignorar esse fato, para além de ser uma atitude antiética, também demonstra um total desconhecimento a respeito do que é o Brasil e do que dá ao povo brasileiro suas principais características.
De qualquer forma, provavelmente o próprio mercado será capaz de resolver essa situação - uma vez que a perseguição contra pequenos autônomos está pegando muito mal para os grandes clubes. Alguns, como o citado Vitória, já estão reformulando suas diretrizes, reservando aos pequenos empreendedores apenas notificações, e não cobrança de indenizações. A tendência é que, na medida em que casos semelhantes forem tendo repercussão negativa, os clubes passem a refletir sobre suas atitudes de forma mais equilibrada.
É bem possível, por exemplo, que times de futebol que tomem esse tipo de medida sacana contra pequenos empreendedores e contra torcedores mirins que querem uma festa de aniversário temática fiquem queimados. É claro que isso não pega bem para a opinião pública. É certo que o torcedor de futebol é um consumidor um pouco diferente, que costuma aceitar muita coisa - aceita, inclusive, que lhe digam que não está com a razão, ainda que a contragosto. Só que até a paciência do torcedor de futebol tem limite.
Por mais que grande parte da torcida esteja disposta a amar seu time de coração na alegria e na tristeza, na vitória e na derrota, certamente clubes que não ficarem com frescuras relacionadas ao uso de seu escudo tendem a ter uma maior aceitação, no longo prazo. Se apenas determinado clube permite que bolos de aniversário ostentando seu escudo sejam feitos, sem ameaçar jogar uma banca de advogados contra o confeiteiro, é natural imaginar que, no longo prazo, esse clube termine tendo mais adeptos. E, em se tratando de futebol enquanto negócio, a torcida é sempre o maior ativo.
Os brasileiros conhecem muito bem as condições de seu futebol: os times são um completo fracasso, enquanto modelo de negócios, desfrutando de administrações que, na maior parte dos casos, se alternam entre péssimas e tenebrosas. Além disso, a cartolagem testa a paciência e o amor dos torcedores em seus limites. Portanto, o mais novo caso de perseguição de grandes times de futebol contra pequenos empreendedores, em algo que não vai representar ganho nenhum para os cofres desses clubes, parece ser mais um capítulo das trapalhadas futebolísticas brasileiras. Mas o campeonato ainda não acabou: é cedo para dizermos se, desta vez, a implacabilidade das leis do mercado será suplantada pelo amor pelo esporte e pelo clube do coração dos torcedores.


Referências:

https://g1.globo.com/empreendedorismo/noticia/2024/10/25/cartolas-x-confeiteiras-clubes-de-futebol-multam-confeiteiras-em-ate-r-2-mil-por-bolo-com-escudo-do-time.ghtml

Quem precisa de propriedade intelectual?
https://www.youtube.com/watch?v=yjGXWdxdmIs