Será que o Doctor Who se perdeu no tempo ou foi arrastado por uma agenda política? Enquanto fãs se perguntam se vale a pena assistir, críticas fervilham: como a cultura woke levou Doctor a um beco sem saída? Veremos os bastidores desse colapso cultural!!
A série Doctor Who, uma das produções mais longevas e icônicas da televisão mundial, enfrenta mais uma vez rumores de cancelamento ou hiato — o que não é exatamente novidade em sua história de mais de meio século. Desde a sua estreia em 1963, o programa passou por inúmeras reformulações e pausas, incluindo o hiato de 1989 que durou até 2005, com apenas um filme lançado em 1996 tentando "ressuscitar a série". No entanto, desta vez, as especulações ganham novos contornos, associadas a críticas relacionadas ao que se convencionou chamar de “cultura woke” e ao desgaste que essa cultura teria provocado tanto no público quanto na própria produção. A polêmica se intensifica com a possível saída precoce do ator Ncuti Gatwa, o primeiro homem negro a interpretar o Doutor, que teria manifestado desconforto em continuar na série devido às reações negativas de um público cada vez mais avesso à “agenda woke”.
Para entender por que esse assunto repercute tanto, precisamos revisitar alguns pontos-chave: o que é Doctor Who, o que de fato significa “cultura woke”, por que a BBC, sendo uma emissora estatal, se envolve tanto em pautas progressistas e como tudo isso se encaixa num cenário em que a saturação do discurso político estaria afastando parte dos fãs? Não dá para negar que há um cansaço generalizado diante de produções de qualidade questionável que se escoram em bandeiras sociais apenas para colher benefícios comerciais, políticos ou midiáticos. Nesse sentido, vale comentar o viés libertário: do ponto de vista de um defensor do livre mercado, o “woke” pode ser tanto uma ferramenta de nicho, como também um artifício amplamente utilizado por empresas e governos para obter ganhos de popularidade ou promover ideologias sem necessariamente se preocupar com retorno financeiro — algo mais viável em uma emissora pública como a BBC.
Para quem não acompanha a série, Doctor Who é uma produção britânica da BBC que conta as aventuras do Doutor, um alienígena do planeta Gallifrey que viaja pelo tempo e espaço em sua TARDIS, normalmente acompanhado de companheiros humanos. Desde sua criação, Doctor Who sempre teve um componente didático: abordando temas sociais, políticos e humanitários, a série frequentemente usava as viagens no tempo para fazer analogias com problemas do mundo real, como racismo, guerra, preconceito de classe, entre outros. Essa veia engajada sempre esteve presente, em maior ou menor grau, dependendo da época e do showrunner responsável.
Com o retorno em 2005, capitaneado por Russell T. Davies, a série abraçou fortemente questões sociais que se tornaram ainda mais evidentes em episódios envolvendo discriminações e a inclusão de personagens LGBTQIA+. Essa característica, aliada à natureza livre e imaginativa do enredo, consolidou a série como um produto que frequentemente “quebra barreiras”. Não surpreende, portanto, que Doctor Who seja visto como um símbolo de vanguarda e progressismo. O que chama atenção, entretanto, é o volume de críticas mais recentes, apontando que, em algum ponto dessa trajetória, a busca pela representatividade teria se transformado em “cultura woke”. Esse rótulo, na opinião de muitos, soa pejorativo, mas tenta descrever uma insistência exagerada e superficial em determinadas pautas identitárias, em detrimento de uma boa narrativa.
A palavra “woke” surgiu na comunidade afro-americana, significando algo como “estar acordado” para as injustiças sociais, especialmente o racismo sistêmico. Com o passar do tempo, o termo se difundiu, abrangendo consciência de outras pautas: igualdade de gênero, direitos LGBTQIA+, distribuição de renda, justiça climática, entre várias outras, algumas beirando o absurdo. Em princípio, isso DEVERIA ser a busca por empatia e a luta por causas nobres. Porém, os grandes oligarcas chefes de grandes produtoras como a Disney, Universal, Warner Bros, rapidamente perceberam o potencial de lucro rápido dessas pautas, começaram a incluir de maneira artificial e sem suporte narrativo inclusão e assim que era genuíno acabou sendo corrompido — no que muitos chamam de “pink money” ou “rainbow washing”.
O resultado é que o termo “woke” foi distorcido. Hoje, tanto setores da direita quanto da esquerda o utilizam de maneiras conflitantes: uma parte o defende como símbolo de avanço social, outra o ridiculariza por reduzir problemas complexos a slogans vazios. Há também quem acredite que determinadas produções midiáticas se valem do rótulo “woke” apenas como estratégia de marketing para atrair um público-alvo sensível a essas questões, mas sem oferecer conteúdo realmente profundo ou narrativas sólidas. Nesse ponto, nem tudo o que é “woke” é necessariamente ruim — a busca pela diversidade e pela justiça legítima —, mas, como qualquer outra vertente ideológica, sua adoção forçada ou oportunista tende a gerar cansaço e rejeição, além de autoritarismo estatal. O problema é que os militantes dos grupos progressistas são desde cedo doutrinados pela ótica marxista e logo são ensinados sobre o prisma da luta de classe e tudo o que engloba o vocabulário comunista. A partir daí, a confusão mental é garantida e na visão dessas pessoas termos como justiça social implica em mais imposto e expropriação de riqueza de empresários bem-sucedidos.
É importante lembrar que a BBC — responsável pela produção de Doctor Who — é uma emissora pública no Reino Unido. Por ser sustentada pela licence fee (uma espécie de taxa paga pelos lares britânicos para financiar a programação) e ainda receber amparo estatal em certos aspectos, essa emissora não se rege unicamente pela lógica do livre mercado de oferta x demanda diretamente. Diferentemente de estúdios privados, ela não precisa necessariamente de bilheteria ou de audiência altíssima para continuar operando, embora busque relevância e legitimidade diante dos contribuintes. Nesse cenário, inserir pautas políticas ou ideológicas pode ser mais fácil, pois a BBC não precisa convencer investidores de que haverá retorno financeiro imediato.
Contudo, há um ponto crucial: a BBC vive sob escrutínio constante dos contribuintes e da classe política, e precisa manter certo equilíbrio para não alienar parte significativa de seu público. O Reino Unido é tradicionalmente considerado um país adepto ao welfare state, com políticas sociais de influência social-democrata. Esse cenário político culturalmente já pende mais para políticas progressistas (em comparação a países que valorizam, por exemplo, um liberalismo econômico ou conservadorismo). Portanto, faz sentido que a BBC reflita esse espírito social-democrata em suas produções. É justamente essa “tendência” nas pautas identitárias que faz de Doctor Who, há anos, um canal de discussões sobre raça, sexualidade e gênero.
Dito isso, a pergunta que fica é: por que agora há tanta resistência? Uma possível explicação é que nas últimas duas décadas, a cultura pop passou por um processo de massificação das agendas sociais em quase todas as grandes franquias (de Star Wars e Marvel a séries da Netflix). Esse bombardeio de mensagens, muitas vezes pouco consistentes, acabou saturando a maior parte do público. Já não é incomum encontrar roteiros que se apoiam em estereótipos de personagens “diversos” sem desenvolver uma história coerente ou minimamente bem elaborada. Esse esvaziamento leva a reações negativas: pessoas que antes apoiavam a inclusão genuína agora se sentem incomodadas com o uso superficial das pautas; outras pessoas que já são voltadas para o conservadorismo, enxergam tudo sob o mesmo rótulo de “woke” independente da qualidade narrativa da obra.
No caso específico de Doctor Who, o descontentamento de alguns fãs aumentou quando o Doutor, tradicionalmente interpretado por homens brancos, passou a ser encarnado por Jodie Whittaker (primeira mulher a assumir o papel) e, em seguida, por Ncuti Gatwa (primeiro homem negro no papel). Além disso, a série trouxe recentemente uma vilã Drag Queen, um romance gay entre o Doutor e outro personagem, e episódios que enfatizaram discussões sobre racismo e diversidade. Para muitos, essa guinada narrativa foi recebida de braços abertos. Contudo, para outra parcela do público, soou forçada e saturada em comparação com as tramas clássicas.
É preciso enfatizar que Doctor Who sempre abordou diversidade de maneiras criativas. Vários episódios evidenciavam problemas do passado fazendo analogias com problemas atuais, desde preconceitos raciais, críticas ao belicismo ou até mesmo intolerância religiosa. O problema não está em tratar de tais temas, mas na forma como eles são apresentados, ou seja: puro suco de doutrinação. Quando o roteiro funciona, a representatividade é orgânica e serve para expandir a trama, criando reconhecimento entre parte do público e os personagens, e trazendo nuances mais acentuados a narrativas central. Entretanto, quando o roteiro se perde em panfletagem, a narrativa é sacrificada, e personagens se tornam apenas “porta-vozes” de agendas, sem profundidade. É aí que surge a acusação de que a série “se autossabota”.
Do ponto de vista libertário, tudo se reduz, em última instância, às escolhas do consumidor e às leis de oferta e procura. Um exemplo clássico é o equilíbrio de Nash, que como explicado no vídeo do Ancapsu sobre os vendedores de sorvete em uma praia: se houver apenas dois competidores, eles tendem a migrar cada vez mais para o centro da praia, de modo a capturar a maior fatia de clientes possível, deixando as extremidades desatendidas. À medida que a informação sobre essa falta de oferta nas pontas se espalha, surgem incentivos para que um novo vendedor se posicione nas extremidades ou que os próprios concorrentes ampliem sua cobertura, procurando maximizar lucros ao atender regiões antes negligenciadas. Nesse sentido, uma emissora privada, guiada pela busca de maior audiência e retorno financeiro, tenderia a evitar enredos “excessivamente políticos” que pudessem alienar boa parte de seu público. Já a BBC, por ser estatal, não enfrenta a mesma pressão mercadológica e, portanto, sente-se mais à vontade para impor determinadas visões de mundo, pois não precisa ajustar-se tão rigidamente a esse “equilíbrio de mercado”.
Sob um prisma de livre-mercado, podemos constatar que se a série não encontra um público pagante suficiente, deveria ser descontinuada ou reimaginada. A BBC, porém, mantém-se graças a uma taxa compulsória que não depende da adesão voluntária do espectador. Isso gera tensões: parte da população britânica critica a parcialidade política em alguns programas, pois não se sente representada pelas pautas promovidas em suas produções — mas é obrigada a financiar a emissora, queira ou não. E Doctor Who, como um dos carros-chefes da BBC, acaba no epicentro dessas controvérsias. Aqui no Brasil não é tão diferente assim da Grã-Bretanha, quando se sabe que o governo federal injeta centenas de milhões de reais na Rede Globo, e que políticas de fomento à produção cultural colocam muita grana no bolso de certos artistas e produtores de filmes que adoram receber aquela ajudinha estatal.
Recentemente, veículos como The Sun e Gazette afirmaram que a BBC planejava colocar Doctor Who em hiato, possivelmente por cinco a dez anos, e que o ator Ncuti Gatwa teria gravado sua cena de regeneração para sair da série em 2025. A razão alegada seria uma combinação de campanhas de discriminação contra Gatwa, motivadas pelo preconceito e pela aversão à “agenda woke”, ressaltando que não corroboramos em hipótese nenhuma com ataques preconceituosos contra o ator ou qualquer pessoa, e de problemas de audiência e má administração. A BBC, por sua vez, negou a informação de forma oficial: “Doctor Who não foi cancelado”, reiterando que há um contrato de 26 episódios com a Disney+, estando apenas metade transmitida.
Entretanto, o futuro permanece incerto. O showrunner Russell T. Davies já havia admitido que não há ainda encomenda para 2026 ou mesmo para um Especial de Natal no próximo ano. Em meio a esse “vai e vem”, a série ganha ainda mais manchetes, pois qualquer boato ganha proporções gigantescas em uma produção com tanta história e fãs engajados ao redor do mundo.
Em síntese, a polêmica em torno de Doctor Who ilustra um fenômeno mais amplo: a saturação do chamado ‘wokismo’ no mercado de entretenimento. A busca por representatividade é válida, mas quando se torna mera palavra de ordem ou ferramenta de marketing, desperta a rejeição das pessoas que querem algo natural. O caso de Ncuti Gatwa é simbólico: um ator talentoso que poderia trazer novas dimensões ao personagem, mas que corre o risco de ser imaturamente descartado por conta das pressões ideológicas e do clima de polarização que cercam a atual fase, não só da série, mas do mundo do entretenimento como um todo.
https://www.omelete.com.br/series-tv/doctor-who-hiato-nctui-gatwa-fora-rumor
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