Quando o povo tenta protestar contra abusos do estado, a resposta do Supremo é proibir a manifestação — até mesmo em áreas feitas para isso.
No dia 26 de julho de 2025, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, proferiu uma decisão que a mídia noticiou de forma superficial: "Moraes proíbe acampamentos em frente ao STF". Mas quem leu apenas as manchetes perdeu a gravidade real do que foi decidido. Não se trata apenas do entorno do STF ou de uma medida pontual: a decisão proíbe qualquer tipo de acampamento, protesto ou manifestação num raio de 1 quilômetro de três locais fundamentais da vida pública brasileira: a Praça dos Três Poderes, a Esplanada dos Ministérios e todos os quartéis das Forças Armadas.
A decisão, na prática, cria uma zona de silêncio forçado. Um verdadeiro "cordão sanitário político" em torno do poder, onde nem mesmo cidadãos pacíficos podem se aproximar para expressar suas opiniões. Isso não apenas fere a liberdade de expressão e o direito de reunião — previstos no artigo 5º da Constituição — mas impõe um precedente extremamente perigoso para o futuro da democracia brasileira.
Muitos veículos de comunicação tratam a decisão como uma simples medida de precaução. Mas não é. Estamos falando da interdição simbólica e física do principal espaço público de manifestação política do país. Um espaço que pertence ao povo. É como se colocassem uma cerca invisível em torno dos prédios públicos dizendo: "aqui, só entra quem concorda".
E mais: a decisão também autoriza a Polícia Militar a prender em flagrante qualquer um que "resista" à ordem de dispersão, mesmo sem violência, mesmo sem confronto. A lógica é simples e absurda ao mesmo tempo: protestar é, por si só, um ato de resistência — e agora, resistência virou crime.
Moro em Brasília e sempre entendi que viver aqui significa estar mais próximo da política — da coisa pública, como dizem. Cresci vendo manifestações na Esplanada dos Ministérios, vi caminhadas pela saúde, protestos contra corrupção, atos por liberdade religiosa, indígena, militar, sindical. A Esplanada sempre foi do povo. Até agora.
A justificativa de Moraes? A "segurança pública" e o "risco de novos atos golpistas". Mas não havia ameaça concreta, tampouco qualquer indício de violência iminente. O que existia eram alguns deputados com barracas em frente ao STF, protestando contra as restrições impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
E por conta disso, todos nós, brasilienses e cidadãos de fora que vieram protestar, fomos banidos do coração político do país.
No domingo, 03 de agosto, estive lá pessoalmente. Vi o que antes era símbolo da liberdade de expressão transformado em área de exceção. Um território em que o cidadão comum — como eu — pode ser preso em flagrante se ousar estender uma faixa ou erguer um cartaz.
A Polícia Militar estava lá, orientando manifestantes a se manterem fora da zona delimitada. Ninguém podia se aproximar da Praça dos Três Poderes. Todo mundo teve que se concentrar no Eixo Monumental, exatamente 1 km do último ministério, obedecendo ao traçado arbitrário feito por uma canetada judicial.
Foi estranho ver Brasília assim. Um centro vazio, silencioso, onde o poder se esconde atrás de tapumes, enquanto o povo é mantido longe.
Não posso deixar de pensar no simbolismo disso tudo. A cidade que representa o poder político da República está agora cercada de decisões que afastam o povo. Não importa se você é de direita ou esquerda. O que está acontecendo aqui é grave. Estamos normalizando que um ministro do Supremo Tribunal Federal tenha o poder de decidir quem pode ou não ocupar espaços públicos com base em suposições.
Isso não é garantia de ordem. É controle preventivo da opinião popular. A Constituição garante o direito de reunião pacífica. Mas o STF que, supostamente, deveria defendê-la, está criando exceções perigosas — e, como morador de Brasília, me pergunto: onde mais eles vão querer nos proibir de protestar? Na porta da Câmara? Nas ruas da cidade? Nas redes sociais?
Hoje foi o centro de Brasília. Amanhã pode ser qualquer lugar.
Não dá para fingir que isso é normal. Não dá para aceitar passivamente esse novo padrão. Proibir manifestações políticas no espaço mais simbólico do país é um alerta claro de que a democracia está sendo reconfigurada — não pelo povo, mas por quem deveria servir a ele.
E se você acha que exagero, olhe o despacho. Moraes diz que qualquer acampamento, mesmo que pacífico, será reprimido com prisão em flagrante. Cidadãos serão presos se insistirem em permanecer em locais que sempre foram destinados a protestos. Deputados estão sendo retirados à força pela PM.
O recado é claro: "se você pensa diferente, fique calado ou fique longe."
Como brasileiro e como morador de Brasília, me recuso a aceitar isso calado.
Afinal, se protestar pacificamente se torna crime, o que mais será criminalizado amanhã? Um tuíte? Uma camiseta? Um discurso em uma roda de amigos? A liberdade não é tirada de uma vez só, ela é aparada em pedaços pequenos até você achar normal viver com medo.
E o mais perigoso é que essa decisão cria jurisprudência. Se um ministro pode criar zonas proibidas para protestos por decisão monocrática, outros também poderão. Não será mais necessário aprovar leis ou consultar o Congresso. Bastará uma caneta, uma justificativa ampla e a promessa de ordem.
Vi amigos que não são bolsonaristas, mas estavam lá para defender o direito de protestar. Pessoas que entendem que, se hoje é contra um grupo, amanhã pode ser contra qualquer outro. Porque quando o direito é condicionado ao gosto de quem está no poder, ele deixa de ser direito e vira privilégio.
A Esplanada dos Ministérios é um local de memória. Ali ocorreram atos históricos: Diretas Já, Fora Collor, Marcha da Maconha, protestos de 2013. Nenhuma dessas manifestações precisou de permissão judicial para acontecer. O que está sendo feito agora é reescrever as regras da democracia sob medida para impedir a dissidência.
Se o problema são os excessos ou crimes cometidos por alguns manifestantes em 8 de janeiro de 2023, que esses sejam investigados e punidos. Mas impedir todos os demais de protestar por causa disso é como fechar todas as igrejas porque uma cometeu fraude fiscal. É punir preventivamente o povo inteiro por medo de uma minoria.
Protesto é incômodo mesmo. É barulhento, bagunça o trânsito, atrapalha o expediente dos Ministérios. Mas democracia é feita disso. Ninguém precisa de autorização para concordar com o governo. O teste real da liberdade é quando você tem o direito de discordar.
Se hoje aceitamos que manifestantes só possam protestar a 1km de distância, o que impede de amanhã proibir também a imprensa de se aproximar? Ou bloquear celulares na área? Ou exigir credencial do estado para organizar uma manifestação?
Como morador da cidade, como brasileiro e como defensor da liberdade, deixo aqui esse alerta: o que está em jogo não é um partido, não é um ex-presidente, não são cinco deputados. É o nosso direito fundamental de discordar.
E se não defendermos isso agora, talvez não tenhamos mais onde defender nada depois.
Não escrevo isso por raiva ou por paixão política. Escrevo porque estou vendo a minha cidade mudar. E não é uma mudança para melhor. Está se tornando normal ver barreiras policiais, limitação de acessos, repressão seletiva. Está se tornando comum pensar duas vezes antes de se manifestar.
A Esplanada sempre foi o espaço do povo. Hoje é do estado. E quando o estado se apropria do que era nosso, não devolve mais. Cabe a nós, com responsabilidade e coragem, mostrar que não aceitamos isso.
Apesar da democracia não ser o regime defendido por nós, libertários, sabemos que a democracia é muito melhor que qualquer ditadura. O Brasil já não vive mais em uma democracia, mas ainda temos resquícios dela, ecos que insistem em reverberar. Se não pararmos o avanço autoritário da ditadura de toga, jamais poderemos avançar em direção a uma sociedade libertária, e por isso defendemos que as coisas no mínimo não piorem, pois apesar da democracia não ser o modelo ideal de sociedade, de acordo com os princípios libertários, sabemos que em uma democracia temos o poder de falar e espalhar as ideias de liberdade, e em uma ditadura não.
Não sou jurista, mas sei ler a Constituição. E nela está claro: todos têm direito de se reunir pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização. Se um ministro do STF pode ignorar isso, então o que mais pode ser ignorado amanhã?
Escrevo para deixar registrado: como cidadão, não concordo. Como morador da capital, me oponho. Como homem livre, protesto. Enquanto isso ainda for possível.
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/moraes-proibe-acampamentos-em-frente-a-quarteis-e-praca-dos-tres-poderes/