O Banheiro do Papa

O Banheiro do Papa é mais do que um filme, é uma verdadeira aula de economia. Desde já, um aviso: o filme vale a pena e este vídeo contém spoilers.

O Banheiro do Papa é o nome de um filme franco-uruguaio-brasileiro, do ano de 2007. Ele é inspirado num conto chamado “O Dia em que O Papa Foi a Melo” - que por sua vez, é baseado na visita que o Papa João Paulo II fez à cidade uruguaia de Melo, no ano de 1988.

Tal qual no conto, o filme é ambientado na cidade de Melo, uma localidade pobre situada próxima à fronteira do Uruguai com o Brasil.

O nome do personagem principal é Beto, ele é definido como um quileiro que usa uma bicicleta para levar produtos de um lado para o outro da fronteira entre o Brasil e o Uruguai, enquanto se esconde das autoridades estatais.

A propósito, define-se “quileiro” como habitantes fronteiriços, de poucos recursos financeiros, que realizam contrabando em pequena escala, comprando produtos em pequenas quantidades em lugares ou lugarejos fronteiriços no Brasil para vendê-los no Uruguai.

(Pausa)

É sabido que o que enriquece as pessoas, as cidades e as nações são as trocas comerciais. Portanto, de uma forma geral, as regiões de fronteiras costumam não ser tão pobres quanto a Cidade de Melo, uma vez que costumam ter comércio intenso de mercadorias e pessoas que se aproveitam das tributações variáveis entre as localidades.

Sendo assim, talvez o elevado nível de pobreza em Melo, naquela época, pelo menos, tenha sido uma licença poética do filme. Há a possibilidade de que, como se trata de um filme latino-americano, a pobreza retratada de forma acentuada em Melo tenha sido uma forma de ressaltar o aspecto da desigualdade social e da luta de classe – ou seja, tenha sido construído para dar uma força as pautas esquerdistas que são tão presente no cinema.

Contudo, mais provável mesmo é que a situação de miserabilidade da Cidade de Melo tenha sido uma consequência do protecionismo estatal, que dificultava a ocorrência de trocas comerciais naquela região. Isso se evidencia no fato de que as autoridades alfandegárias são claramente tratadas como vilãs de um filme onde o protagonista é um contrabandista.

No decorrer da trama, observamos um fato curioso: Beto descobre que um outro contrabandista da região trocou a bicicleta que usava por uma moto, o que lhe permite transportar uma quantidade maior de mercadoria com mais velocidade do que fazia anteriormente com a bicicleta. Sendo assim, notando a pressão da concorrência, Beto se articula para fazer o mesmo, comprar uma moto, para não ser tirado do mercado devido à ineficiência.

É interessante notar como o capitalismo é dinâmico e as leis dele são de ampla aplicação, não se restringindo a fronteiras ou regras jurídicas que estabelecem o que está dentro e fora da legalidade. Aquilo que vale para países e empresas, também vale para indivíduos, inclusive os contrabandistas: aquele que conseguiu acumular capital e investir em máquinas e tecnologias mais modernas e eficientes, no caso, uma moto, conseguiu levar vantagem competitiva sobre aquele que não o fez.

Para Beto, a moto não só representaria um salto de produtividade, afinal, ele conseguiria transportar mais carga em menos tempo, como também permitiria que ele conseguisse escapar dos vilões do filme de forma mais eficiente, uma vez que para apreenderem as mercadorias transportadas por Beto, por vezes, os fiscais da fronteira criavam situações de risco de vida ou de lesão corporal contra o protagonista, já que, para não ser encontrado e perseguido pelas autoridades, Beto costumava atravessar a região dos pampas sozinho, por estradas mais afastadas e perigosas: tudo isso para não ter as mercadorias que levava na bicicleta apreendidas.

A pergunta que fica é: será que vale a pena o gasto estatal com funcionários públicos, veículos e combustível, para proteger as pessoas de um homem pobre, praticamente idoso, que ameaça a sociedade com a bicicleta dele, transportando mercadorias mais baratas de um lado a outro da fronteira? O fato do estado encarar tal coisa como uma ameaça e gastar recursos tomados da sociedade com isso é simplesmente esdrúxulo.

Quer saber se Beto comprou a moto? Assista ao filme!

Vamos falar agora dos elementos que dão nome ao filme: é chegada a hora de tratar do banheiro e do Papa.

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Fato é que entre as muitas idas e vindas de Beto pela fronteira, ele fica sabendo de que o Papa visitaria a Cidade de Melo: trata-se do ponto alto da história.

A mídia televisiva tem papel importante no enredo. A todo momento é possível ver jornalistas criando grandes expectativas nas pessoas da cidade de Melo e adjacências através das notícias, falando em um número crescente de peregrinos e de ônibus que sairiam do Brasil e se dirigiriam para Melo para Acompanhar o Papa.

Respondendo aos estímulos das notícias, as pessoas da cidade de Melo, inclusive Beto, tentam monetizar com a ilustre visita de Vossa Santidade, devido à legião de fiéis católicos que o acompanhariam até aquela pequena e pacata urbe.

Sondando o mercado, Beto, o quileiro, percebeu que grande parte da população de Melo investiria os recursos poupados na compra de alimentos para a revenda. O objetivo das pessoas era o de preparar diversos tipos de receitas e vendê-las para o número estimado de 200 mil pessoas, que se deslocariam para lá em vários ônibus, conforme a mídia martelava repetidamente.

Tentando encontrar uma ideia original, diferenciada da ideia dos vizinhos, o contrabandista observou que a cidade de Melo contava com uma estrutura muito precária em diversos aspectos, dentre eles, o saneamento básico. Sendo assim, ele teve a ideia de construir um banheiro com o objetivo de cobrar pelo uso do mesmo aos peregrinos visitantes.

Observa-se que Beto teve uma ideia notável. Enquanto boa parte dos demais habitantes da cidade estavam concorrendo entre si vendendo produtos – no caso, alimentos; Beto conseguiu se distinguir de todos eles, investindo na prestação de um serviço – no caso, de saneamento básico, na forma de um banheiro privado.

O banheiro que Beto criou no terraço dele era, inclusive, melhor do que aquele que ele próprio possuía dentro de casa. E não só isso, para melhor atender os futuros clientes, ele criou protocolos e deu treinamento à esposa e à filha dele, para que todos pudessem atender os clientes da melhor forma possível e conseguissem lidar adequadamente com os mais diversos tipos de situações possíveis no atendimento.

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Consta que no grande dia da visita do Papa João Paulo II, a Cidade de Melo contava com cerca de 480 barraquinhas de cachorro quente e demais salgados, além de várias outras barracas vendendo medalhas e bandeirinhas religiosas, entre outras lembrancinhas.

Cabe aqui outro alerta de Spoiler: o fim do filme é surpreendente!

Diria até que o final do filme é chocante para quem entende minimamente de economia, pois, de forma magistral e impactante, a cena final da obra não se revela por meio de diálogos explicativos; mas, se revela por meio de imagens que falam por si só para aqueles que sabem interpretá-las corretamente.

Acontece que a mídia, de forma irresponsável e sensacionalista, inflou os números de peregrinos e de ônibus que estavam se dirigindo para a cidade de Melo de forma exorbitante, hiperbólica, talvez, até diabólica. A imprensa fez isso o tempo todo: inventou números desde o anúncio da visita do Papa a Melo até momentos antes da chegada do Sumo Pontífice à cidade.

Vale reiterar que, como já informado, Melo era um lugar pobre, isolado, sem estrutura dentro da localidade ou para acessar a localidade. Tal fato pode ter tido impacto significativo nos acontecimentos, pois, o número de peregrinos brasileiros na Cidade de Melo foi pífio: muito aquém dos 200 mil vociferados irresponsavelmente pela televisão, chegando a ser inferior ao número de barraqueiros que, lembre-se, eram cerca de 480, conforme já dito.

Para piorar tudo, o Papa não ficou lá em Melo por mais de 15 minutos. Basicamente, o filme retrata que o Papa só deu uma volta em carro aberto pela principal via do local, saindo da cidade por onde entrou, indo embora de forma tão repentina quanto chegou.

O incentivo artificial da mídia criou uma situação em que havia muito mais comida pronta para o consumo que visitantes e habitantes querendo e podendo comprar e comer na cidade e nos arredores dela. Ou seja, a mídia criou em Melo uma crise de superprodução de um bem perecível.

O resultado não foi outro… No silêncio e na melancolia de imagens em preto e branco, ficou claro que os moradores pobres da Cidade de Melo saíram arruinados da visita do Papa. Cercados por enormes quantidades de comida em vias de se estragar, perderam o pouco que tinham investido, ficando ainda mais pobres do que já estavam antes.

Referências:

https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Banheiro_do_Papa

https://es.wikipedia.org/wiki/El_ba%C3%B1o_del_Papa

https://www.youtube.com/watch?v=J8dzwppjemQ


https://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cada_perdida#:~:text=A%20d%C3%A9cada%20perdida%20(em%20espanhol,pa%C3%ADses%20da%20regi%C3%A3o%20eram%20fixos.