Nada é mais poderoso para revelar a verdade do que o tempo. Agora que o sistema finalmente tirou Bolsonaro de jogo, o velho teatro das tesouras começa a ressurgir, e os reais culpados pela perseguição dos últimos anos começam a mostrar seus longos bicos.
Como bem sabemos, no Brasil até o passado é incerto. Porém, o mês de dezembro já começou de maneira profundamente estranha, com o PSDB decidindo recorrer à Justiça contra o pronunciamento de Lula sobre a nova lei de isenção do Imposto de Renda. A cena já seria curiosa por si só, mas fica ainda mais estranha quando observamos o momento político do Brasil: Bolsonaro preso, o ambiente institucional em ebulição, e o vice-presidente da República sendo ninguém menos que Geraldo Alckmin, um personagem que dispensa apresentações quando o assunto é PSDB. É uma coincidência tão improvável, que parece até escolhida a dedo, como quem move peças de um tabuleiro, um tabuleiro que já existe há décadas e que volta e meia ressurge com novos movimentos, mas sempre com o mesmo jogo. Talvez a esse ponto, os mais atentos já tenham percebido que esse movimento do PSDB não é algo tão estranho assim.
Lula, no seu estilo habitual de “pai da justiça social”, apareceu na televisão para anunciar que a nova lei ampliaria a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco mil reais mensais e reduziria a alíquota para quem recebe de cinco mil a sete mil trezentos e cinquenta. Um discurso cuidadosamente pensado, para que pareça que o governo está oferecendo ao trabalhador uma espécie de prêmio tardio após anos de aperto. No discurso, falou-se de “justiça tributária”, da superação dos “privilégios de uma minoria” e até da vitória da classe trabalhadora em um país eternamente castigado pelo aumento de impostos. Até ficou parecendo que a classe política, que há séculos vive de extorquir o trabalhador, de repente tivesse descoberto que cobrar menos imposto é bom para o trabalhador.
E é exatamente aí que o PSDB entra em cena, com uma súbita disposição para defender as regras do jogo. O partido acusa Lula de usar a máquina pública para autopromoção, afirma que o pronunciamento teve caráter eleitoral e que tudo isso viola a impessoalidade administrativa. Em resumo, os tucanos resolveram falar em limites, em neutralidade, em equilíbrio institucional — logo agora, num momento em que a paisagem do poder no país está sendo redesenhada com força e injustiça total. É incrivelmente inesperado, e ao mesmo tempo tão previsível, como o mar da política brasileira se comporta. Quando o vento muda, algumas velas sobem, outras descem, e certos partidos que sempre navegaram no conforto das brechas jurídicas passam a soar como paladinos da justiça.
Mas nada se compara à estranheza que tomou conta da imprensa desde a prisão de Bolsonaro. Uma transformação silenciosa começou a se espalhar pelas redações e pelos estúdios. Aquele tom reverente, quase religioso, em relação ao ministro Alexandre de Moraes — tratado durante anos como bastião da moralidade republicana — deu lugar a um discurso súbito sobre “excessos”, “necessidade de respeitar o devido processo legal” e “limites constitucionais”. É como se todos tivessem acordado do transe no exato segundo em que o inimigo comum foi neutralizado. Não há outra palavra senão canalhice para descrever a súbita defesa das garantias individuais que, durante tanto tempo, foram tratadas como desnecessárias. Quando era conveniente esmagar adversários, valia tudo: censura, prisão, bloqueio de contas, violação do juiz natural. Mas, agora, com Bolsonaro fora de jogo, descobriu-se que o STF deveria “agir dentro da lei”. Ora, ora, parece que temos um “Xeroque Holmes” aqui. Parece até que todos sempre souberam a verdade e apenas esperavam o momento certo para fingir espanto.
E como se a volta ao teatro não estivesse suficientemente clara, aparece Aécio Neves — símbolo de uma época que muita gente acreditou já estar superada — posando de pacificador entre direita e esquerda. Aécio, aquele desaparecido durante anos, retorna das cinzas como se fosse uma espécie de estadista conciliador, pronto para devolver ao país a estabilidade que ele mesmo ajudou a destruir. Essas estranhas coincidências só reforçam a sensação de que voltamos exatamente ao ponto onde tudo sempre esteve: PT e PSDB alternando papéis, dando tapas públicos um no outro enquanto, nos bastidores, ajustam o mecanismo para que o poder nunca saia inteiramente do eixo estabelecido.
Isso não é novidade. Isso tem nome: o velho teatro das tesouras. Um arranjo político em que dois grupos supostamente opostos comandam o país de maneira alternada, mantendo a ilusão de disputa enquanto garantem que nada realmente importante mude. Foi assim por décadas: ora PSDB, ora PT — acenos distintos, mesmas práticas, mesmo compromisso com o gigantismo estatal. A tesoura funciona porque exige duas lâminas. Separadas, parecem rivais. Juntas, cortam qualquer possibilidade de liberdade política real.
E talvez esteja na hora de admitir publicamente o que muitos vêm percebendo há anos: não foi o PT, isoladamente, que moveu as engrenagens da perseguição política contra Bolsonaro. O PT pode ter feito barulho, pode ter festejado, mas o motor da máquina — a verdadeira força motriz dessa caça promovida contra a direita — estava muito mais próxima do PSDB do que do PT. Alexandre de Moraes, por exemplo, nunca foi uma figura neutra, até porque não existe neutralidade. Moraes teve sua carreira impulsionada dentro do próprio PSDB. Foi Alckmin quem o colocou em postos-chave em São Paulo, de onde ele galgou degraus até chegar ao Supremo. Fingir que sua atuação nos últimos anos não carrega o DNA tucano é ignorar a história. Mas se alguém ainda é inocente ou estúpido o suficiente pra achar que Moraes não joga no time do PSDB, se segure pra ouvir essa: Moraes era FILIADO ao PSDB! Isso mesmo, tucano de carteirinha!
Quero pedir agora uma breve licença, para navegar por um instante nas águas da conspiração. E se o PSDB — diante da queda de popularidade da Dilma — já não ambicionava assumir o papel de “direita responsável e moderna” no Brasil? Se esse fosse o caso, e sejamos francos, é claro que era, é mais do que plausível pensar que Bolsonaro estragou os planos. O PSDB sempre foi o partido da autoproclamada elite intelectualizada, da social-democracia travestida de direita moderada, da direita de paletó bem passado, sapatênis e calça apertada, bem apertada. Quando Bolsonaro apareceu, bagunçou tudo. Trouxe o povão para o jogo, com seu jeito de tiozão, sem papas na língua e sua autenticidade que faz Alckmin parecer um NPC de Oblivion, rompeu com as elites tradicionais e colocou fogo no teatro. E o establishment tucano, acostumado a mandar sem ser questionado, jamais perdoou isso.
Talvez seja esse o motivo do ódio profundo que alguns setores do PSDB demonstram. Bolsonaro não apenas venceu eleições: ele quebrou a lógica de poder de décadas. E o sistema — que sempre se comportou como um organismo vivo tentando preservar a si mesmo — reagiu com tudo o que tinha. Mas claro, tudo isso é teoria da conspiração, nada além disso.
Sejamos honestos: o Brasil nunca saiu realmente do teatro das tesouras. A política do café com leite, lá atrás, já funcionava da mesma forma: alternância de poder fingida, controle real constante. O que mudou foram os personagens, não a estrutura. O estado continua sendo a máquina que concentra poder, distribui privilégios e prende o cidadão comum num ciclo interminável de repressão e impostos.
Do ponto de vista libertário — o único que encara a realidade sem fantasias — toda essa disputa é apenas ruído para dar uma falsa esperança ao povo, que vive aguardando a próxima eleição e o próximo salvador da Pátria. Porque o problema não são os partidos, mas a própria existência de uma estrutura que permite que grupos imponham sua vontade pela força. O estado nada mais é do que uma organização que se atribui o direito de tomar, regular e punir, independentemente do consentimento dos indivíduos. É a institucionalização da coerção. É a violência disfarçada de autoridade. É a promessa falsa de proteção usada como justificativa para saquear quem produz.
Sim, é possível — e até desejável — tentar reduzir danos votando no menos pior. Mas acreditar que somente eleições vão nos libertar é tão ingênuo quanto esperar que o lobo cuide amorosamente das ovelhas. A única saída verdadeira é prática: retirar o estado de nossas vidas, reduzir nossa dependência dele, usar ferramentas descentralizadas como o Bitcoin, fugir da moeda inflacionada e manipulada por burocratas, recusar-se a financiar aqueles que nos exploram sob a desculpa de “representação democrática”.
Enquanto continuarmos pagando impostos compulsórios, obedecendo a decretos arbitrários e confiando em instituições que só existem para servir a si mesmas, estaremos bancando exatamente o mesmo teatro que nos esmaga. O PSDB entrando na Justiça contra o pronunciamento de Lula não é defesa da legalidade. É apenas mais um movimento desse jogo que tenta parecer disputa, mas é conchavo. É reposicionamento estratégico. É sinal de que a velha engrenagem está girando outra vez.
E se não aprendermos a levantar do nosso assento e sair da plateia, o espetáculo continuará. Uma lâmina para cima e outra para baixo — e entre elas, todos nós, sendo cortados como um frágil pedaço de papel. Jo-Ken-Po! Eu tirei pedra! E você? Vai esmagar a tesoura, ou continuar sendo cortado por ela?
https://oantagonista.com.br/brasil/psdb-vai-a-justica-contra-pronunciamento-de-lula-sobre-ir/
https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/alexandre-de-moraes-e-promotor-licenciado-e-especialista-na-constituicao.ghtml