Os progressistas estão dizendo que o filme não é só uma crítica ao capitalismo, mas também ao fanatismo religioso. A direita diz que é uma crítica direta ao socialismo. Mas, qual dos dois está correto?
Há três anos atrás, no início da pandemia, em março de 2020, o filme “O Poço” foi lançado na Netflix sendo um sucesso imediato. Ele gerou certas discussões sobre as cenas abstratas, além das críticas sociais. Na época, fizemos um vídeo sobre, intitulado “O filme o poço é uma crítica ao socialismo”, cujo link encontra-se aqui na descrição. Caso queira assisti-lo primeiro, sinta-se à vontade e depois volte para assistir a este. Já adiantamos que teremos spoiler nas duas produções, portanto, se ainda não assistiu aos longas, recomendo que assista. Dado os devidos avisos, vamos lá!
O filme começa com várias crianças em uma sala fazendo ciranda em volta de uma estrutura de pirâmide com um escorregador no meio. Algumas crianças sobem pela escada e descem pelo escorregador. Na visão do escritor, isso pode ser uma alegoria aos astecas, que faziam alguns rituais de sacrifício utilizando jovens aos seus deuses, cujos corpos eram posteriormente jogados escada abaixo. A estrutura é muito parecida com a da película: uma grande pirâmide com uma longa escadaria. Se quiser assistir a um longa-metragem que mostra bem essa estrutura, assim como o ato bestial deste povo, recomendo o filme Apocalypto, de 2007, dirigido por Mel Gibson. Contudo, essa é interpretação pessoal do escritor, caso tenha uma diferente, deixe aqui nos comentários.
Depois disso, nos é mostrado várias pessoas que irão para o poço escolhendo qual objeto querem levar para essa prisão. Concomitante a isso, lhes é perguntado qual prato gostariam de comer. O procedimento é o mesmo mostrado pelo protagonista no primeiro filme. Então, a protagonista do segundo filme acorda junto do seu companheiro de cela. O poço está funcionando de maneira ordenada e voluntária com as pessoas se organizando diariamente para comerem somente sua própria comida, diferente do apresentado no primeiro filme. Como a comida é escassa, as pessoas concordam em comer apenas os pratos designados a elas. Assim, em tese, aqueles que estão acima garantem que os que estão abaixo não comam a comida dos níveis inferiores, fazendo com que a comida chegue aos níveis mais baixos. No primeiro filme a comida ficava escassa próximo do centésimo nível, já no segundo filme, a comida chegava até o nível 160 dos mais de 300 que a prisão possuía.
Para manter a ordem no local, caso alguém comesse a comida de outra pessoa, aqueles que estavam nos níveis superiores desciam até o nível dos transgressores e os espancavam até a morte. Todo mundo queria garantir seu alimento, então, naturalmente, as pessoas no poço criaram essa organização que garantia a comida da maioria das pessoas. Podemos dizer que essa era uma espécie de voluntarismo que surgiu entre os prisioneiros. Os dias se passam e o companheiro de cela da protagonista é trocado por aqueles que estão nos outros andares. Boatos começam a circular que existe um prisioneiro que sobreviveu por um mês sem comida, apenas meditando. Chamado de “profeta”, ele reuniu ao seu redor várias pessoas, dizendo haver doado parte de sua coxa para que algumas pessoas se alimentassem para não morrerem de fome.
Neste momento inicia-se uma crítica relacionada às seitas na qual o foco deixa de ser a entidade religiosa e começa a ser centrada na pessoa. Assim como no primeiro filme, a interpretação vai do gosto do espectador, agradando tanto gregos quanto troianos. Existem aqueles que avaliam o poço como sendo um exemplo de capitalismo, pois as castas mais baixas comem o resto das castas mais altas. Alguns avaliam que o profeta como sendo a personificação de ditadores históricos como Lênin, Stálin e Mao Tsé-Tung. Isso devido a suas condutas de imposição da distribuição igualitária da comida utilizando-se da violência como forma de repressão.
Em um determinado momento, a protagonista subverte uma das leis para tentar impor aos níveis mais baixos a ordem pelo derramamento de sangue. Isso faz com que o profeta desça até seu andar, parabenizando-a pelo feito. Neste instante, podemos traçar um paralelo com a história da Guerra Civil Russa. Durante o extermínio dos Romanov, os anarquistas ucranianos auxiliaram os bolcheviques a eliminarem o Exército Branco leal ao imperador. Neste ínterim, o Exército Vermelho parabenizou os anarquistas pelo feito. Mas, a vida não é um morango. No filme, o profeta diz que apesar da ordem ser estabelecida, a lei foi quebrada, portanto, uma punição será aplicada. Nossa protagonista, então, perde o braço. No caso histórico russo, depois de alguns anos, o Exército Vermelho obliterou os anarquistas ucranianos devido a eles não se curvarem aos bolcheviques. Em ambos os casos, percebemos que nada é por conta da ideologia. Tudo gira em torno de uma única coisa: poder.
Posterior a perda do membro, a nossa personagem principal decide criar uma rebelião contra os seguidores do profeta. Descendo até os níveis inferiores, ela congrega várias pessoas insatisfeitas com o regime atual. Os seguidores e o próprio profeta, então, descem até um nível acima deles, objetivando acabar com a revolução. Para ficar em vantagem, os fanáticos decidem jogar toda a comida fora, deixando os revolucionários famintos e fracos. A comparação histórica com o Holodomor é gritante, pois a seita prefere matar todos os que estão nos andares abaixo dos revolucionários de fome, do que dar a possibilidade deles sobreviverem mesmo que isso signifique alimentar seus inimigos. Para o profeta, a morte de inocentes era apenas um efeito colateral. Entretanto, diferente dos fatos históricos, no filme os revolucionários ganham a luta. Após a batalha sangrenta envolvendo ambos os lados, o profeta morre pelas mãos de nossa protagonista, que consegue sobreviver.
Sem o monopólio exclusivo da força oferecido pela seita, a estrutura social do poço volta a versão do primeiro filme: todos lutando para chegar ao topo da pirâmide, simbolizando a estrutura da sociedade atual. Isso dá munição aos anticapitalistas, fomentando a ideia de que sem uma entidade central com poder da violência não há como garantir que a igualdade seja imposta pelas pessoas. Assim sendo, existe a necessidade de um ente centralizador para garantir a ordem em uma sociedade. Isso é uma verdade, se e somente se, o referido grupo social não possuir uma coisa que também está ausente no longa-metragem: comércio. Perceba que se o filme fosse uma crítica ao capitalismo, a comida não seria produzida por um ente externo ao ambiente. A produção alimentícia seria feita pelos níveis médios e inferiores, e posteriormente vendida aos níveis superiores. Não existem trocas, comércio, trabalho e produção na história, apenas um grupo externo que garante uma quantidade de insumos limitados àqueles que estão no poço.
Sempre que um filme mais “subjetivo” é lançado, os telespectadores focam no terror da situação e no psicológico dos personagens. Todo mundo tenta encaixar a ideia do filme na caixinha política que a pessoa se encontra. Inclusive nós, aqui no Visão Libertária, mostramos os paralelos que a história tem em relação à Rússia de 1917. Entretanto, poucos compreendem que o objetivo da administração é apenas um: punir aqueles que estão no poço. O local não passa de um profundo purgatório que foca apenas na punição contínua até a redenção de cada personagem. O filme não é uma crítica social foda contra o modelo capitalista ou socialista. Ele apenas mostra até que nível as pessoas conseguem aguentar de sofrimento e dor; até quando o tecido social é mantido, antes de todos virarem animais.
Por fim, deixo uma ideia libertária para você, telespectador: não adianta reunir dezenas de pessoas da classe oprimida, impor um sistema de distribuição que acha justo, e o mantê-lo na base da violência. Afinal, mesmo que suas intenções sejam boas, o que está fazendo é apenas criando um novo estado. Mas de boas intenções o inferno está cheio. E o inferno é bem pior do que qualquer punição em um purgatório.
https://www.youtube.com/watch?v=bQW3r5E92sI
https://cinepop.com.br/critica-o-poco-2-continuacao-do-horror-espanhol-da-netflix-intensifica-discurso-politico-570190/