SANTUÁRIO dedicado a LÚCIFER em GRAVATAÍ tem sua INAUGURAÇÃO SUSPENSA: nem o DIABO TANKA O ESTADO

Até mesmo Lúcifer se tornou vítima da perseguição estatal no Brasil.

Um certo rebuliço tomou conta da cidade de Gravataí, situada no Rio Grande do Sul, nos últimos dias - algo que, por sinal, ganhou repercussão nacional. O capítulo mais recente dessa história, inclusive, envolveu o Poder Judiciário. A 4ª Vara Cível do município decidiu interditar a inauguração do agora famoso “Santuário de Lúcifer”, construído nessa cidade. O evento, que por sinal foi mesmo cancelado, estava marcado para ocorrer no dia 13 de agosto. A decisão é liminar, e atende a um pedido da própria prefeitura municipal. Mas, afinal de contas, de que diabos se trata esse caso?
Senta que lá vem a história: o santuário foi instalado na zona rural de Gravataí - sendo que as informações a respeito de sua estrutura não são exatamente conhecidas. Ao que se sabe, o templo se encontra em um sítio privado, adquirido pela “Nova Ordem de Lúcifer na Terra”. Essa organização religiosa - se é que é adequado chamá-la assim - foi fundada por alguns indivíduos brasileiros, algum tempo atrás. Dentre eles, figura um autointitulado Mestre Lukas de Bará da Rua - que é quem tem respondido pelo caso, perante a Prefeitura Municipal e a Justiça. Ao todo, essa Nova Ordem possui cerca de 100 membros em todo o Brasil.
Aqui, precisamos abrir um parêntese. Você acha que esse é o primeiro caso de um templo dedicado a algum Lúcifer? Pois você está enganado - e por alguns séculos. Se algum dia você viajar para a comuna de Cagliari, na Itália, você poderá conhecer uma simpática igrejinha católica, construída no século 17, em homenagem a São Lúcifer. Sim, existe um santo católico com esse nome. O Lúcifer em questão viveu nessa cidade, ainda no século 4, tendo sido peça fundamental naquilo que hoje é conhecido como “controvérsia ariana”.
Acredite ou não, mas, no início da era cristã, o nome Lúcifer era relacionado não ao Tinhoso, mas sim a Jesus Cristo. Antes de ser um nome próprio, a palavra “lúcifer” é uma corruptela da expressão latina “lux ferre” - ou portador da luz. Nos primeiros séculos do Cristianismo, esse nome era comumente utilizado para se referir ao próprio Jesus - tal como outras expressões, como Cristo, do grego, e Emanuel, do hebraico. É por isso que muitos indivíduos receberam o nome de Lúcifer, naquela época - assim como muitos brasileiros, hoje, se chamam Gésus, Messias e Manoel.
Não é por acaso, inclusive, que a própria Igreja Católica canta um hino, na noite da Ressurreição de Jesus, em que o Senhor Ressuscitado é chamado de “lúcifer”: "Flammas eius lucifer matutinus inveniat: ille, inquam, lucifer, qui nescit occasum" - ou, em bom português: "Que ele brilhe ainda quando se levantar o astro da manhã: aquele astro que não tem ocaso".
Foi apenas a leitura posterior do texto de Isaías 14, 12, na Vulgata latina, a partir do século 5, que popularizou a associação desse termo com o Diabo. Ainda assim, também a Vulgata faz uma citação a “lúcifer”, usando esse termo para se referir a Cristo, na Segunda Carta de Pedro 1, 19. Dito isso, e deixando a controvérsia linguística de lado, voltemos ao Santuário do Capiroto em Gravataí.
Em primeiro lugar, ao cultuar Lúcifer, o grupo em questão afirma não estar cultuando o Diabo em si, de acordo com a concepção cristã. Para o tal Mestre Lukas, Lúcifer seria apenas mais um de vários deuses que foram banidos pela Igreja Católica, sendo, na verdade, o portador das luzes do autoconhecimento.
Pois bem! O tal sítio em que se localiza o santuário, conforme já citado, fica na zona rural de Gravataí, e sua localização exata não foi divulgada pelos membros do culto - certamente, para evitar a curiosidade alheia. No local, já foi instalada uma estátua desse Lúcifer, feita de cimento, medindo 5 metros e pesando 1 tonelada - tudo ao custo de R$ 35 mil, valor esse bancado pelos participantes dessa religião. Esse fato, por si só, já tinha chamado bastante a atenção dos munícipes, e também da grande mídia.
Mas, afinal de contas, por que a inauguração desse santuário foi suspensa? Bem, a prefeitura explicou sua decisão de acionar a Justiça para embarreirar o evento. Os argumentos são puramente burocráticos. Segundo a administração municipal, o santuário não teria alvará de funcionamento e plano de prevenção contra incêndios, e o templo não teria um CNPJ constituído. Só que a prefeitura também deixou escapar seu medinho: segundo os burocratas, o pedido feito à Justiça levou em conta também a "insegurança gerada diante da grande repercussão causada pelo tema".
A verdade é que a decisão proferida pela justiça de Gravataí não apenas impediu a inauguração do templo, como interditou o local até que todas as medidas solicitadas pela prefeitura sejam tomadas, impondo ainda multa diária de R$ 50 mil, no caso de descumprimento da ordem judicial. O responsável pelo santuário afirmou que a justiça já foi acionada, a fim de que a decisão inicial seja revertida, afirmando também que todo esse caso não passa de pura perseguição religiosa.
Mas, afinal de contas, o que nos diz a ética libertária, a respeito desse caso? Como acontece na maior parte das vezes, a resposta libertária é bastante simples. Qualquer religião pode ser considerada eticamente válida e aceitável, desde que não viole os princípios da propriedade privada. Se os fiéis puderem participar voluntariamente, e sair a qualquer momento desse culto, se os rituais não envolverem coisas como sacrifícios humanos e atos de terrorismo, e se não houver prejuízos reais a terceiros, então está tudo certo. Não há nada a se questionar quanto a isso.
A partir desse fundamento libertário, podemos considerar o caso dessa Nova Ordem e do santuário dedicado a Lúcifer. De acordo com tudo o que foi relatado, o sítio em que o templo foi instalado pertence a membros dessa organização. Ou seja, estamos falando de uma propriedade privada desses indivíduos. Eles, portanto, podem usar esse espaço como bem entenderem - inclusive construindo templos, realizando encontros religiosos e promovendo rituais ao deus que quiserem. 
Mas, e quanto à ausência de um alvará de funcionamento e de outros mecanismos de segurança? Bem, isso não passa de burocracia estatal desnecessária. Ninguém deveria precisar de autorização do governo para morar em sua própria casa, ou para frequentar um templo qualquer. Esse tipo de empecilho estatal serve apenas para extorquir o povo e para prejudicar alguns indivíduos que não são vistos como desejáveis pela máquina estatal.
Como sempre dizemos por aqui, liberdade pressupõe responsabilidade. Se você quiser morar em uma casa que não possua as mínimas condições de habitabilidade, o problema é todo seu. Só não reclame quando o teto cair sobre sua cabeça. Ou, pior ainda, não exija que o estado obrigue os outros a custear os seus erros.
A verdade é que o estado não deveria ter, absolutamente, o poder de impedir o uso da propriedade privada por seus donos, ou que determinada divindade seja cultuada. E isso é válido, ainda que estejamos falando de um deus que a maioria da população repudia. Qualquer coisa que fuja desse fundamento libertário não passa de violência estatal contra indivíduos pacíficos.
Aliás, Mestre Lukas afirmou que o prefeito de Gravataí tinha deixado claro, em vídeo, que não concederia o alvará para o tal santuário, caso fosse solicitado pelos participantes desse culto. Isso, obviamente, é apenas uma alegação; e não sabemos se a coisa realmente aconteceu dessa forma. Mas, se esse for mesmo o caso, estamos diante de um caso claro de perseguição religiosa com o uso do aparato estatal.
A liberdade religiosa é um princípio fundamental do ser humano, por estar diretamente ligada às liberdades de consciência e de associação. Defender esse princípio não significa concordar com todas as crenças. Significa apenas entender que todos são livres para cultuar os deuses que quiserem, ou para cultuar deus nenhum. E que os demais são livres para afirmar que esses indivíduos vão para o inferno por conta disso. Tolerar a liberdade alheia não é concordar com o que se faz, se prega ou se defende. É apenas saber que a violência contra indivíduos pacíficos não é justificável, em hipótese alguma.
No momento, é difícil saber se a decisão tomada pela justiça de Gravataí, atendendo a uma solicitação da Prefeitura Municipal, se refere apenas a questões burocráticas, ou se isso esconde algum tipo de perseguição religiosa. Em qualquer um dos casos, contudo, estaremos diante da danosa ação estatal - que ou atua para atrapalhar a vida das pessoas, por meio de critérios arbitrários e absurdos; ou que simplesmente viola os direitos naturais dos cidadãos, a seu bel-prazer. Se o Diabo realmente existe, ele certamente está usando a máquina estatal para tolher a liberdade religiosa no Brasil.
Agora, se você quiser se aprofundar ainda mais sobre o tema “religião” no libertarianismo, recomendamos o vídeo: "Como ofender religião e ensinar libertarianismo ao mesmo tempo?", no canal AncapSU Classic. O link está na descrição.

Referências:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2024/08/justica-aceita-pedido-da-prefeitura-de-gravatai-e-interdita-templo-dedicado-a-lucifer-fundador-recorre-clzszxlwx00cq01371llcztzk.html

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/08/08/santuario-lucifer-estatua-rs.ghtml

https://it.wikipedia.org/wiki/Chiesa_di_San_Lucifero

https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%BAcifer_de_Cagliari

https://oplusultra.blogspot.com/2019/04/exsultet-praeconium-paschale.html

Como ofender religião e ensinar libertarianismo ao mesmo tempo?
https://www.youtube.com/watch?v=vOXDqmEQCDU