Tarifas numa mão e departamento da eficiência governamental na outra. Qual dessas forças determinará o futuro da sociedade americana?
Donald John Trump venceu novamente as eleições americanas e assumirá o controle da Casa Branca em 20 de janeiro de 2025, tornando-se o 47º presidente dos Estados Unidos. O republicano destacou duas grandes promessas de campanha com impacto direto na economia: aumentar a eficiência do governo, incluindo cortes de impostos e a criação do DOGE (Department of Government Efficiency), e elevar tarifas de importação, alegando que isso protegerá a indústria e os empregos dos americanos.
Essas medidas são contraditórias em essência, são um Frankenstein econômico. Por um lado, a redução de impostos e gastos segue princípios de escolas liberais e pró-mercado, enquanto o aumento de tarifas é uma política protecionista, historicamente arraigada na história econômica americana. Preferir Trump à Kamala Harris é justificável, mas ver conservadores e supostos liberais defendendo tarifas é deprimente, o equivalente brasileiro dessa medida é a taxação das blusinhas implementada pelo governo Lula. A justificativa em ambos os casos é proteger a indústria e os varejistas nacionais, mas a consequência é o empobrecimento de toda a sociedade. Tarifas são impostos e imposto é roubo, simples assim. Além de ser uma prática antiética por parte do estado, já que se trata de pura expropriação de pessoas pacíficas, do ponto de vista econômico isso prejudica os consumidores e mantém os preços altos.
Ao contrário do que muitos pensam, o debate entre tarifas e livre mercado remonta aos primórdios dos Estados Unidos. Após a Revolução Americana, duas figuras moldaram os rumos da política econômica do país. Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro, defendia tarifas mais altas, intervenção econômica e um governo central forte. Do outro lado estava Thomas Jefferson, o primeiro secretário de Estado, terceiro presidente, defensor da descentralização do poder e contra o aumento de impostos.
Desde o fim da Guerra Civil Americana a visão de Hamilton prevaleceu. Entre 1861 e 1933, os Estados Unidos tinham uma das maiores tarifas de importação sobre produtos manufaturados do mundo. O famoso texto “Report on Manufactures”, de Hamilton, é até hoje citado por desenvolvimentistas em defesa de tarifas como instrumento de política econômica.
Mas é essencial diferenciar correlação de causalidade. O sucesso dos Estados Unidos como nação, o enriquecimento de seu povo, veio através do respeito às liberdades individuais, além da força dos contratos e a facilidade de fazer negócios. É o comércio e a propriedade privada, mais do que qualquer outra variável, que determinam o futuro econômico de uma sociedade. Isso nos prova que a força criadora responsável pelo progresso humano vem do empreendedorismo e do mercado descentralizado, que é composto por cada indivíduo que faz parte da sociedade, independente deste ser rico ou não.
Durante o primeiro governo Trump, o aumento de tarifas foi uma política central. Painéis solares foram taxados em 30%, 25% no aço e 10% no alumínio. Mas os efeitos foram, sem surpresa, bastante negativos, para não dizer desastrosos. Houve aumento no déficit comercial, pressão inflacionária e queda da renda real das famílias. Caso essas mesmas políticas sejam implementadas novamente, é provável que os resultados não sejam nada diferentes. Mas é necessário abrir um parêntese aqui: os lockdowns feitos em várias cidades americanas durante a crise sanitária foram, sim, responsáveis por uma considerável destruição do setor privado e da riqueza dos americanos, o que afetou o governo Trump e deu chance para os democratas. Então, além de uma política que não incentiva a produtividade e a concorrência no mercado, a crise sanitária agravou ainda mais o cenário econômico americano.
Desta vez, no entanto, o foco parece estar no corte de gastos públicos e na redução da burocracia, o que gera expectativas positivas em torno do Department of Government Efficiency. De acordo com Elon Musk e Vivek Ramaswamy, indicados como líderes dessa nova comissão, há potencial para economizar 2 trilhões de dólares dos 7 trilhões do orçamento federal e reduzir o funcionalismo público em até 75%. Musk, conhecido por sua ênfase em eficiência e contenção de custos em suas empresas, tornou-se um símbolo dessa proposta. Afinal, foi ele e sua equipe que desenvolveram um foguete que dá ré e que cortaram quase 80% dos funcionários do Twitter durante sua reestruturação.
Embora a capacidade política de implementar esses cortes seja questionável, não há dúvida quanto à existência de desperdícios no governo. Os Estados Unidos possuem o maior custo administrativo per capita em saúde entre os países da OCDE. O código tributário americano já ultrapassa 70 mil páginas. E na educação pública, o número de funcionários administrativos cresceu 100% nos últimos 25 anos, enquanto o número de professores aumentou apenas 5%. Em bom português, “há muito cacique para pouco índio”. Páginas como The Rabbit Hole, na rede X, têm feito um excelente trabalho em expor essas ineficiências do governo americano.
Se a administração Trump entregar mesmo metade das promessas relacionadas à redução de gastos e desregulamentação, o impacto positivo será significativo, mesmo que políticas protecionistas, como o aumento de tarifas, sejam adotadas em paralelo. A liberdade econômica deve ser entendida como um conjunto em sua totalidade e não apenas como diminuição de impostos em certos setores.
O índice de liberdade econômica da Heritage Foundation, o mais relevante do mundo, considera quatro grandes categorias: Estado de direito, tamanho do governo, eficiência regulatória e abertura dos mercados. Por isso, países como Dinamarca e Suécia estão no topo da lista mesmo com altos impostos para o cidadão. Nesses países é fácil abrir empresas, demitir pessoas e mais fácil ainda conseguir licenças. Do ponto de vista libertário, o ideal seria que não houvesse estado e todas as normas fossem determinadas via mercado e pela própria sociedade, mas qualquer movimento nesse sentido deve ser comemorado.
Existem libertários que defendem o colapso imediato do sistema, acreditando que isso aceleraria o surgimento de novas estruturas organizacionais, o que pode não acontecer. Essa visão ignora a realidade de que, após certo nível de degradação social, é extremamente difícil reverter o quadro e que não há garantias reais de que seremos livres. Exemplos como Cuba e Venezuela e até o Sri Lanka demonstram como sociedades podem permanecer presas em espirais de decadência por décadas, sem o povo conseguir destituir os ditadores do poder. Num cenário de falência em massa, veríamos o caos social, sofrimento generalizado e a economia levaria um bom tempo para se recuperar. Muitas pessoas poderiam perder tudo. Por isso, a sociedade precisa estar preparada para eventuais crises e ir se adaptando para um futuro sombrio de caos e de hiperinflação. Para os bitconheiros, a receita é fazer toda a sua poupança de longo prazo em Bitcoin, pois essa criptomoeda é o único ativo seguro e inconfiscável que só tende a se valorizar perante as moedas fiduciárias criadas pelos governos.
O sucesso do DOGE pode dar um suspiro na atual estrutura governamental americana que está bastante inchada e ineficiente, muito parecida com a do Brasil. Isso pode inspirar outras nações a reduzirem impostos e a burocracia, além de dar mais tempo para que nós, meros mortais, nos preparemos para o inevitável colapso dessa ineficiente estrutura chamada estado. A longo prazo é impossível que o governo grande e centralizado seja competitivo frente a alternativas descentralizadas. Mas é preciso tempo e preparo da população para que esses novos modelos de governança emerjam.
Os ventos ideológicos parecem estar mudando. Recentemente, o canal MW Informática, focado em hardware, fez uma observação interessante: desde que o governo brasileiro implementou a taxa das blusinhas, o público do canal passou a consumir mais conteúdo relacionado a libertarismo e economia. Essa tendência não é isolada. Pesquisas recentes indicam uma guinada à direita entre jovens de países desenvolvidos.
Embora o ceticismo seja recomendado quando estamos lidando com promessas de políticos, especialmente para cortes dessa magnitude, exemplos como o de Javier Milei na Argentina, mostram que mudanças radicais são possíveis. O próprio Milei compartilhou recentemente sua experiência com Elon Musk em sua viagem aos Estados Unidos. Porém, é sempre bom ter em mente que o estado é composto por pessoas com preferências e ambições pessoais, portanto, devemos ter um certo ceticismo político, o que é algo bastante saudável. Não podemos esperar que privilegiados do sistema que estão com todo o poder na mão aceitem passivamente a perda de seus benefícios.
Devemos comemorar a mudança na janela de Overton em direção a ideias de liberdade, especialmente entre os homens jovens, que são historicamente a vanguarda de novas ideias e representam o futuro. É bom ter alguma esperança com o sucesso da DOGE, que essa iniciativa pelo menos vá nos dar mais alguns anos de preparo até que, com o tempo, modelos descentralizados de governança possam emergir e oferecer alternativas viáveis ao estado tradicional. E claro, permitir que o Bitcoin absorva ainda mais dos recursos da economia mainstream de forma que com a vinda do colapso, o estado não fique tão ansioso para controlar ainda mais a moeda que somos forçados a usar. Sabemos que há planos por parte dos totalitários de acabar com o dinheiro físico e digitalizar completamente o dinheiro, o que dará às elites mais poder sobre os indivíduos. Do dia para a noite seu dinheiro pode ser congelado ou ter data de validade, e isso poderia representar o fim da luta contra a tirania, mas com um final trágico.
Enquanto isso, qualquer esforço para reduzir o tamanho e a interferência do governo, como o proposto por Donald Trump, é um passo na direção certa e deve ser celebrado. O espírito do tempo parece estar mudando e os ventos parecem soprar em nosso favor e de todos que amam a liberdade. Esperamos que não seja uma brisa e, principalmente, que com ele venha a possibilidade de um futuro mais próspero e livre.
https://www.pgpf.org/article/almost-25-percent-of-healthcare-spending-is-considered-wasteful-heres-why/
https://nypost.com/2024/10/27/opinion/the-2024-choice-on-education-trump-sides-with-families-harris-with-the-teacher-unions/
https://taxfoundation.org/blog/how-many-words-are-tax-code/
https://www.youtube.com/watch?v=-K9RuRPntBg