Vício em Coca-Cola está MATANDO cidade mexicana: a culpa é de quem?

Se não fosse o estado, quem daria água praticamente de graça para a Coca-Cola fabricar refrigerante caro?

Nenhuma população no mundo toma mais Coca-Cola do que os habitantes do estado de Chiapas, no México, o estado mais pobre do país. No município de San Cristóbal de las Casas, a média de consumo por habitante chega a mais de 2 litros por dia, 8 vezes mais do que a média nacional mexicana, que já é preocupante: 150 litros por ano. A 30 quilômetros dali fica uma pequena cidade indígena chamada San Andrés Larráinzar, onde o refrigerante preto é usado até mesmo em cerimônias religiosas. Isso se deve muito ao marketing agressivo da empresa na região, retratando personagens em roupas tradicionais segurando garrafas. A dissonância cognitiva gerada pela publicidade foi tão extrema que hoje na cidade há xamãs que consideram a bebida um líquido sagrado.

Mas como a Coca-Cola conseguiu tamanha penetração em comunidades pobres? Esse fato pode soar estranho para nós brasileiros, que pagamos 15 reais por uma garrafa de 2 litros e, muitas vezes, somos compelidos a nos conformar com as tubaínas da vida. Mas no México, a gigante teve um grande auxílio estatal.

A Coca-Cola mantém uma fábrica na periferia de San Cristóbal, e um acordo com o governo local lhe dá autorização para retirar 1,3 milhões de litros de água de poços profundos por dia. Ao mesmo tempo que esse contrato reduz muito os custos com tratamento de água pela empresa, ainda cria uma reserva de mercado, pois aumenta o custo da água potável para a população. O saneamento básico na cidade é praticamente inexistente, e a água que vai para as torneiras dos habitantes sai dos rios superficiais, cuja água é infestada de coliformes fecais. Como a água potável se tornou um recurso escasso, a Coca-cola conseguiu reduzir o preço de seus produtos na região e equipará-los ao da água engarrafada. Isso faz com que a população beba muito refrigerante, até mesmo as crianças de menos de um ano de idade, o que tem causado uma verdadeira epidemia de obesidade e diabetes tipo 2 no estado.

A empresa se defende, obviamente, dizendo que gera empregos e movimenta a economia da região. Mas ela gera apenas 400 empregos em um município de 186 mil habitantes, o que de maneira alguma compensa o dano causado.

A Coca-Cola muitas vezes foi representada como um símbolo do capitalismo malvadão, e esses fatos podem encher de moral seus críticos. “Tá vendo, é isso que acontece quando se prioriza o lucro em vez das pessoas! É por isso que tem que regular tudo! Grandes empresas são do mal!”, é o discurso do militante de esqueda médio.

Mas, como diria Rodrigo Constantino, fascismo é o nome que se dá à associação de grandes empresas com o estado.

Primeiramente, o governo local não tinha direito algum de negociar a água de San Cristóbal, porque os governos não são donos legítimos de nada. Tudo que o estado tem foi tomado à força.

Segundo, é quase certo que a Coca-Cola pagou pela água menos do que ela valeria comercialmente. Como explica Roderick T. Long, a estatização dos bens multiplica o poder da propina. É claro que também existe corrupção nas negociações entre empresas privadas, mas existe um desestímulo natural a essa opção pelo maior custo. Supondo que o valor comercial de uma fonte de água limpa seja de um milhão de dólares e uma empresa quisesse fraudar uma licitação concorrendo pelo uso exclusivo, ela teria que pagar no mínimo um milhão de dólares e um centavo, para cobrir o custo da propina. Mas como os bens do estado não estão sujeitos à lei da oferta e da demanda, eles não recebem uma precificação objetiva. Logo, para uma empresa ter acesso a um recurso natural de 1 milhão de dólares, basta gastar uns 500 mil em propinas.

Terceiro, se a fonte de água tivesse dono, ou mesmo fosse gerida pela comunidade, também não é certo que seus proprietários optariam por ceder seu uso a uma empresa de bebidas. O preço do refrigerante da Coca-Cola em Chiapas é artificialmente barato, devido ao baixo custo da água. Então, podemos supor que seria vantajoso engarrafar a água potável e vendê-la, uma vez que não haveria uma empresa de bebidas se aproveitando de uma vantagem competitiva fraudulenta. O domínio da Coca-Cola no mercado de bebidas no México é tanto que, mesmo que os consumidores optem por água engarrafada, terão que recorrer ao conglomerado. A escassez de água tratada faz com que o México seja o maior consumidor de água engarrafada do mundo, mercado praticamente monopolizado no país, e que leva famílias a gastarem até 10% da sua renda só para matar a sede.

A ascensão da Coca-Cola no México também se deve a um político que antes de entrar para a política - olha só a surpresa - era presidente da empresa no país. Vicente Fox era um distribuidor que subiu na hierarquia até alcançar a presidência da divisão latinoamericana da Coca-Cola, a FEMSA. Tendo sido eleito presidente do México em 2000, Vicente Fox assinou o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, que permitiu que a Coca-Cola entrasse no país sem pagar impostos. Deixemos claro que toda iniciativa estatal que visa reduzir impostos é bela e moral, o que criticamos é a relação promíscua de empresários com o estado que gera subsídios e concessão de recursos.

Além disso, há de se questionar por que o estado de Chiapas sofre com um saneamento precário. Temos o exemplo do Brasil. O estado brasileiro teve mais de 200 anos depois da independência para levar água à população, e falhou miseravelmente: 45% da população brasileira vive sem água tratada. O problema só começou a ser resolvido com a participação da iniciativa privada, a partir do Marco Legal do Saneamento Básico assinado por Bolsonaro em 2020, que aumentou a cobertura do tratamento de água. Um exemplo pode ser conferido no vídeo: “É possível NADAR em BOTAFOGO: CEDAE (ESTATAL) não fez em 50 ANOS, a ÁGUAS do RIO já fez em UM ANO”. Link na descrição.

Voltando ao problema do refrigerante no México, a solução adotada pelo governo mexicano foi aquela porcaria que a gente sempre espera do estado: criar um imposto sobre bebidas açucaradas, que aumentou seu preço em 10% e reduziu seu consumo em 7,6%. Essa maior taxação já havia sido tentada durante a presidência de Vicente Fox de 2000 a 2006, e foi obviamente ignorada. Hoje em vigor, além de causar um efeito insuficiente em relação ao pretendido, a medida não gerou nenhuma compensação às famílias prejudicadas, uma vez que o dinheiro do imposto não vai para elas. Ademais, a Coca-Cola teme menos o prejuízo financeiro da taxação do que a má publicidade consequente, atribuindo ao produto a pecha de prejudicial à saúde, tal como acontece com o cigarro. Em 2013, ela chegou a patrocinar uma palestra em congresso sobre diabetes para que um cientista se opusesse à taxação. A então ministra da saúde mexicana Mercedes Juan López também fez um discurso contra o imposto no mesmo ano.

Considerando todos esses aspectos, nada garante que uma sociedade libertária estaria a salvo de um problema como esse. O dono de lençóis freáticos privados bem poderia direcionar todo seu produto para uma fábrica de bebidas diabetogênicas. Mas ele não teria a seu favor um parceiro de negócios que não responde pelos prejuízos que causa, o que provavelmente aumentaria o preço da água pura e, consequentemente, o preço do produto final. O que por fim impossibilitaria o preço praticado pela Coca-Cola em Chiapas, hoje.

De uma perspectiva libertária, é questionável afirmar que os mexicanos viciados em Coca-Cola são realmente vítimas de alguma coisa. Afinal de contas, apesar da escassez de alternativas, ninguém as obriga a consumir nada. O fato do refrigerante Coca-cola ser mais barato que água, pura e simples, nos faz lembrar do filme “Idiocracia”, de 2006, onde uma mega corporação que era dona de tudo, inclusive do governo, tinha criado o Brawndo, uma bebida que era muito barata e que era usada para tudo, inclusive na irrigação das lavouras. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

Referências:

Como a Coca-Cola está destruindo uma região do México: https://www.youtube.com/watch?v=jb9AC06Kpq4

Como a Coca-Cola está matando o México (em inglês): https://www.youtube.com/watch?v=pr4ll48MU_k

Em cidade com pouca água, Coca-Cola está em todo lugar. Diabetes também (em inglês): https://www.nytimes.com/2018/07/14/world/americas/mexico-coca-cola-diabetes.html