Usemos mais uma vez o universo de Fallout como base para a nossa análise de hoje. Já fizemos outros vídeos sobre este mundo aqui no Visão Libertária como o “FALLOUT não está LONGE da REALIDADE”, no qual contamos a história do universo dessa franquia. O link está na descrição caso você queira conferir!


Entretanto, para aqueles que não assistiram, façamos uma breve recapitulação. Após uma guerra nuclear entre China, Estados Unidos e União Europeia, o mundo foi completamente devastado pelos efeitos da radiação. Os governos colapsaram, levando a um eterno estado de Senhores da Guerra. Mais ou menos 200 anos após as primeiras bombas caírem, os indivíduos continuaram batalhando pelos escombros da civilização, procurando meios de sobreviverem.

Neste contexto, criaram-se diversos tipos de organizações desde fanáticos religiosos, milícias, governos baseados na escravidão, remanescentes do antigo governo americano e até tentativas de formar novas democracias na região. O mais interessante disso, é que nunca deixou de existir o comércio entre pessoas. Após uma estabilização desses grupos, alguns comerciantes surgiram atravessando toda a terra devastada do antigo Estados Unidos, muitos dos quais eram sobreviventes da grande guerra e tinham o conhecimento econômico da sociedade moderna.

Podemos até comparar com os antigos mercadores orientais que usavam rotas como a da seda para atravessar centenas de quilômetros para vender e comprar coisas em outras sociedades que nem falavam sua língua. Isso acabou levando esses comerciantes a criarem uma comissão voluntária para intermediar problemas que iam surgindo. Um destes pormenores era quanto ao valor das trocas, pois tal como na realidade, o escambo não era nada preciso, podendo variar muito de pessoa para pessoa. Além disso, não era nada prático para comercializar e nem para acumular. Imagine que você é um comerciante nessa terra desolada. Você precisaria ter uma reserva de valor, mas com base no quê? Você poderia estocar em forma de alimentos, os quais são algo útil ou até mesmo em água limpa, que também é um recurso extremamente valioso nesses contextos. Mas os alimentos são perecíveis e é difícil manter a água isolada de bactérias e componentes que podem te infectar. Portanto, precisavam de algo pequeno e fácil de ser usado como moeda de troca em negociações. A comissão, então, escolheu usar tampas de garrafa!

Pode parecer um absurdo, mas essa foi uma excelente solução. As tampas escolhidas foram as das garrafas de Nuke Cola, um refrigerante popular antes da guerra e que havia por todo os Estados Unidos. Todas as fábricas desse refrigerante e o maquinário delas foram destruídos nas explosões, o que impossibilitava alguém replicar e colocar mais tampinhas de Nuke Cola em circulação, impedindo também a inflação delas. Parece engraçado que após citar tudo isso, as tampinhas parecem uma moeda melhor do que muitos dos papeizinhos coloridos de circulação forçada que os governos criam ao redor do mundo. Além de não serem criadas mais unidades de tampinhas do que as que já existem, elas também não perdem seu valor com o tempo como nas moedas na nossa realidade.

Para a América Latina no geral, a inflação acima de 10% ao ano já é algo comum. Enquanto na Europa uma inflação de 5% já é considerada alta. Mas não se engane, isso cria uma gigantesca bola de neve ao longo do tempo no qual o dinheiro que estamos acumulando passa a não valer mais nada. Teremos um exemplo disso, mais a frente. Uma moeda é apenas uma representação física do valor que damos a ela, como se fosse uma ficha que usamos como um meio mais fácil de medir as coisas. É por isso que criptomoedas existem e podem ser usadas no comércio mesmo não sendo físicas, pois o valor não está em uma nota feita de papel, mas no que ela representa. Isso significa que todo o dinheiro que temos tem seu valor única e exclusivamente porque damos este valor a ele, ou seja, o dinheiro sendo ele prata, ouro, bitcoin, moeda fiduciária ou tampinhas da Nuke Cola não possui valor intrínseco.

As tampinhas de Nuke Cola foram aceitas por todo o antigo território dos EUA e virou uma moeda internacional para negócios, tal como o dólar é usado hoje entre países. Mas é claro que essa não virou a única moeda em circulação, pois os novos estados que se formaram também tentaram criar suas próprias moedas. Um exemplo é a moeda da Legião de César, um grupo medieval escravocrata que usa a estética romana, tendo o seu líder se autodenominando o próprio César. A moeda deles possui o rosto do então César, cunhada com prata e ouro. Mas, melhor ainda era o dólar da Nova República da Califórnia, a maior facção do jogo e que se concentrava no sudoeste americano, sendo o mais próximo de um estado democrático moderno. Embora fossem uma moeda comum de papel, o dólar da NCR, sigla do estado em inglês, era lastreado em suas reservas de ouro e água, podendo facilmente serem convertidos.

Tal coisa por muito tempo existiu, como o Padrão Ouro, no qual o dólar não podia ser impresso loucamente e era lastreado nas suas reservas de ouro. Mas todos sabemos que o estado muda as regras conforme for conveniente, e assim o fez em 1971, quando o padrão ouro deixou de existir nos EUA para facilitar os custos com a guerra do Vietnã. Ironicamente, a história se repetiu no universo do jogo. Após a guerra da Nova República da Califórnia contra a Irmandade do Aço, uma facção militarista que quer possuir toda a tecnologia pré-guerra, as reservas de ouro foram sendo gastas ou até destruídas nos conflitos. Isso gerou uma bola de neve que fez a população ir atrás de converter o pouco de ouro que restava. A corrida aos bancos foi um grande golpe monetário e o estado da Califórnia teve que encerrar o lastro para poder continuar a existir.

Antes da guerra, muitos comerciantes deixaram de usar as tampas de garrafa para utilizar o dólar californiano. Ele quase se tornou a nova moeda universal, mas após as derrapadas que todo estado dá, ninguém utiliza mais esta moeda, e as tampas de refrigerante estão em circulação até hoje no universo da franquia. A título de curiosidade, o youtuber “The Game Theorists” há muitos anos fez um vídeo comparando o preço de uma barra de ouro em tampinhas no jogo para ter uma ideia do quanto cada tampinha de garrafa equivaleria em dólar, tirando alguns resultados interessantes.

Comparando o preço do peso e da barra de ouro de 24 quilates no jogo, dividindo pelas 10.539 tampinhas que equivalem aquela barra, cada tampinha equivaleria 1 dólar e 67 centavos. E lembra aquele dado que falamos mais cedo no vídeo? Pois bem, essa seria a cotação do ouro com o dólar na década de 1960, onde o mundo parou culturalmente. Mas com a cotação atual e toda a inflação que o dólar teve em mais de 60 anos, uma única tampinha valeria 52 dólares! Assustador, eu sei! Ainda mais se compararmos as moedas menos valorizadas e muito mais jovens do que o dólar, como o nosso Real, que já desvalorizou quase 90% de seu valor original em 30 anos.

Embora seja uma história fictícia, ela nos mostra como os estados tendem a desvalorizar suas próprias moedas com o tempo. Isso faz com que uma enorme quantia passe a valer praticamente nada, para não citar casos extremos como a Venezuela, Sri Lanka e até a Argentina, que felizmente está agora saindo desse caminho com o Milei. Quando tudo colapsou, as pessoas não queriam mais saber de preservação do poder econômico do estado ou qualquer coisa do tipo, só se juntaram voluntariamente e escolheram a opção que era melhor naquele momento. A maioria das moedas hoje perdeu completamente seu valor, seja simbólico, seja físico. A honestidade dos políticos é o pior lastro possível para uma moeda, seja ela em um mundo real ou fictício. Talvez no fim seja melhor negociarmos usando tampinhas mesmo, ao invés de usarmos qualquer moeda estatal. Ou quem sabe, usar uma moeda totalmente digital, descentralizada e distribuída, a qual é o bitcoin. Uma solução impossível de ser destruída, e até mesmo a prova de apocalipses nucleares.

Referências:

https://www.youtube.com/watch?v=OKgXNSRKatk&t=373s&pp=ygUaZmFsbG91dCB2aXPDo28gbGliZXJ0w6FyaWE%3D
https://www.youtube.com/watch?v=Ln342caKBHs