O Palhaço psicopata é mais eficiente em combater o crime organizado do que toda a polícia estatal de Gotham. Não acredita? Pois eu posso te provar...
A continuação do filme “Coringa” foi lançada no começo deste mês de outubro, para a alegria e tristeza dos seus espectadores. O primeiro filme, que conta com a perfeita atuação de Joaquin Phoenix, foi um enorme sucesso mostrando um lado mais humano e mentalmente instável do palhaço que sempre foi retratado apenas como um bandido que enlouqueceu ou como um psicopata fantasiado. Contudo, infelizmente, a sequência “Delírio a dois” tem sido um desastre comparado às expectativas que o estúdio tinha para o longa-metragem. Para se ter uma ideia do quão grave foi, as notas da crítica no IMDB foram piores do que as de Madame Teia!
O Filme, que contou com a participação da Lady Gaga, é confuso, anda em círculos e parece um grande arco de redenção e arrependimento para o personagem Arthur Fleck, que quer se distanciar de suas ações psicopatas do primeiro filme. A película seria melhor apresentada ao público se tivesse o título de “Anti-Coringa” por todo o foco na desconstrução de um personagem desenvolvido por décadas pelos quadrinhos do Batman e pelas dezenas de outros filmes e séries de mesmo tema. Como de praxe, avisamos que daqui para frente daremos spoilers, portanto, se você ainda não o assistiu, volte depois que investir o tempo vendo esta obra-prima do cinema. Dado os devidos avisos, vamos lá.
O longa lançado agora mostra o Arthur Fleck no Asilo Arkham algum tempo após os acontecimentos do último filme. Na instalação, conhece Harley e pouco tempo depois ambos começam a se apaixonar. Harley diz para Arthur que tinha um pai abusivo, sendo enviada para o asilo por incendiar o prédio em que morava. Contudo, posteriormente, a Advogada de Arthur desmente essa história, contando que o pai dela é médico e que ela era apenas uma riquinha mimada revoltada com o sistema que queria ir voluntariamente para o asilo para conhecer o Coringa. Será que eles não se inspiraram na biografia da Janja? Afinal, ela também quis dar para o presidiário por motivos ideológicos, virando até a primeira-dama. Já até fizemos um vídeo sobre a história da Janja, cujo link está na descrição para assistirem depois.
Mas voltando ao filme. A advogada de Arthur quer que ele confesse que tem dupla personalidade, sendo a personalidade do “Coringa” que cometeu os assassinatos, e não a do “Arthur Fleck”. Isso enquanto os manifestantes anarquistas querem que assuma a responsabilidade pelos crimes e afirme que todos mereciam morrer. As audiências vão acontecendo e relembrando o que aconteceu no primeiro filme com vários musicais maçantes no meio disso tudo, com Harley também dizendo estar grávida do Coringa após uma visita íntima. No último julgamento, Arthur decide assumir a culpa, deixando os anarquistas revoltados, pois esperavam que assumisse sua “personalidade assassina” como a verdadeira. No fim, os baderneiros explodem o tribunal e tentam levar Arthur, mas foge de todos, encontrando-se com Harley, que o deixa por decepção. No final da segunda trama, Arthur é levado de volta ao Asilo Arkham, sendo esfaqueado por um figurante qualquer, morrendo ensanguentado no chão, refletindo que pelo menos deixou um filho no mundo.
Sim, o filme é extremamente chato e o final é decepcionante para um vilão que tem um histórico tão grande de reviravoltas e histórias chocantes nas centenas de HQs, séries e filmes. Para comparar melhor a complexidade do vilão, analisemos o filme de 2008 “Batman: O Cavaleiro das Trevas”.
Gotham City nos quadrinhos serve como um paralelo obscuro da cidade de Nova York. A cidade continua tomada pelo crime organizado fortemente armado, com os civis e pessoas comuns ficando à mercê dos criminosos, já que vários policiais corruptos são subornados para deixar que as máfias ajam livremente. O Comissário Gordon e Harvey Dent são algumas das figuras principais que estão tentando combater essa corrupção inerente da cidade, enquanto o Batman segue sua estratégia de combater alguns crimes menores durante a noite, tentando lutar com um bandido de cada vez. Nessa versão temos um coringa muito mais psicopata e que não se importa em tirar vidas a troco de nada, com suas reais motivações e origens não sendo reveladas em nenhum momento da trama. Tudo o que temos, é a ideia de que ele não faz isso buscando dinheiro, mas que, no fundo, apenas quer ver a cidade em chamas.
No decorrer da trama, vemos que as gangues estão com armamento cada vez mais pesado para poder lidar com as ameaças, seja da polícia incorruptível, seja do Batman. Isso é o efeito que ocorre na guerra contra o crime organizado, no qual se assemelha a uma guerra entre estados, escalando de modo mais brutal principalmente para os civis. No fim, temos o crime vencendo, como no Rio de Janeiro, ou com a polícia ganhando a guerra, como El Salvador, mas que gera inúmeros civis mortos como em qualquer guerra convencional.
O Batman, nessa visão, acaba cometendo erros ao ignorar toda a estrutura mafiosa que existe na cidade. O Coringa, então, consegue chantagear todos os mafiosos a lhe darem metade de todo seu dinheiro em troca de se livrar do Homem Morcego. Posteriormente, dá um golpe neles, ficando com toda a grana, incendiando-a logo em seguida. Agora sem fundos, as máfias da cidade praticamente faliram, não podendo mais sustentar suas próprias operações, fragmentando as lideranças e colapsando seu esquema de maneira muito mais eficiente do que a própria polícia de Gotham.
É claro que não estamos falando que o Maluquinho fantasiado de Patati e Patatá gótico é algum tipo de benfeitor, já que em diversos momentos mata inocentes por diversão, explode um hospital com crianças e perto do final, coloca dois barcos, um com 300 civis e outro com 300 criminosos para competirem para saber qual explodirá. Ninguém das duas embarcações quer explodir as pessoas, mesmo sob ameaça de destruição de ambos se não fizessem. O ponto máximo de tensão é quando a incorruptível polícia entrega o detonador para um dos presos tomar a responsabilidade de ter explodido o outro barco, com o criminoso apenas jogando o detonador no mar para que ninguém pudesse apertar o botão. No fim, a autodestruição mostrou-se falsa e o poder de decisão das pessoas manteve vivo todos os cidadãos, coisa que o próprio Coringa não esperava que fosse acontecer.
O próprio Batman é mostrado como criador de muitos dos seus vilões, direta ou indiretamente. No caso do Coringa, por exemplo, nos é mostrado nos quadrinhos que ele era um bandido comum, mas o Morcegão o fez cair num tanque de ácido. No filme do Cavaleiro das Trevas, o Harvey acaba virando o Duas Caras por influência do Coringa. Isso fez com que Batman escondesse as coisas erradas feitas pelo Harvey, levando a culpa pelas mortes dos inocentes, manchando o legado do morcego. Entretanto, isso deu a chance para que o projeto do ex-burocrata fosse aprovado, dando a cidade a possibilidade de dias melhores.
Mas embora a moralidade de Bruce Wayne tenha sido sempre forte, acabou por gerar várias consequências ruins, como quando nas HQs, Jason Todd, um dos Robins, foi morto brutalmente pelo Coringa. Bruce apenas levou o palhaço de volta para o asilo sem nenhuma consequência. Quando Jason volta a vida, tornando-se o Capuz Vermelho, fica revoltado com Batman, indagando-o porque mesmo após todas as mortes que ele cometeu, o Coringa continuara vivo. Bruce apenas responde que sabe que se sua ética tivesse uma exceção, não conseguiria retroceder depois.
Essa parte relembra o quão importante é, para nós libertários, permanecermos com uma ética forte e justa independente da situação, já que uma vez que se abre uma exceção, nada impedirá que outras aconteçam, fazendo com que a ética não valha mais nada. Mas o que falta ao Batman muitas vezes é a aplicação da ética e das consequências, porque o Jason não quer que todos os vilões sejam mortos, apenas o Coringa, que já tirou tantas vidas inocentes. Quem fere uma propriedade deve pagar no valor equivalente, assim como quem tira dezenas de vidas por diversão não merece manter a sua própria vida.
E isso tudo que acabamos de te contar foi para mostrar o nível de profundidade e de discussão ética que as histórias envolvendo esse palhaço possuem. Enquanto isso, esse novo filme mostra a história de um homem mudado, que quer se redimir perante a sociedade, mesmo com o Coringa aparecendo novamente para combater a sociedade, criando uma cultura de revolta e de mudança no coração de Gotham. Mas contrariando tudo e todos, esse homem revela que fingiu ser o Coringa e que estava apenas atuando, sendo, na verdade, um homem patético deprimente que não tem nada na vida, sendo esmagado pela sociedade por simplesmente existir.
A história não aborda a questão social e parece que quer culpar o espectador por esperar ansiosamente pela psicopatia do palhaço, representado pelo filme na forma dos manifestantes, enquanto não “se preocupa” com o personagem do Arthur Fleck. Muito triste, eu sei. A produção do filme é boa, a fotografia também, mas o roteiro é horrível e a direção inexistente. Não teve nenhum momento no filme que o personagem se desenvolveu, parecendo, na verdade, que regrediu. É um filme que não acrescenta nada à história original, e perde a oportunidade de dar continuidade na história não só do Arthur, mas também da cidade de Gotham. Algo que deixou um leve gostinho no primeiro filme com a morte do candidato à prefeitura, Thomas Wayne, e com os manifestantes que viam Arthur como um “mártir”.
Coringa 2 é uma ofensa a todo mundo que gostou do primeiro filme. Ele volta com uma mão de ferro querendo impor lição de moral e conscientização no público de uma maneira extremamente hipócrita e incoerente. O longa parece ter nojo do seu próprio público, e odeia com força seu protagonista. Os roteiristas de Hollywood querem desconstruir todos os seus antigos personagens famosos, mas o problema é que eles sequer sabem o que construir no lugar.
https://www.youtube.com/watch?v=A9hdFqAU2vE&pp=ygUYdmlzw6NvIGxpYmVydMOhcmlhIGphbmph
https://www.youtube.com/watch?v=BYasOrJlYm0&list=WL&index=16