No desespero para conter a queda na taxa de fecundidade, governo Edorgan resolve proibir a prática de cesáreas planejadas.
Parece uma distopia orwelliana, mas é apenas mais um dia normal num planeta Terra cada vez mais carente de crianças e cada vez menos livre. Que a Turquia é, na prática, uma ditadura, todos nós sabemos. Recep Erdogan está no poder, de forma contínua, há mais de 20 anos - sendo que, desde 2017, ele acumula os cargos de Chefe de Estado e Chefe de Governo por lá. Sim, exatamente como no Brasil. É curioso perceber como, naquela ocasião, Erdogan foi acusado de avançar com seus poderes ditatoriais, justamente por se tornar tão poderoso como qualquer presidente brasileiro…
A Turquia possui uma clara tendência reacionária, no que se refere às relações afetivas. Embora a homossexualidade não seja criminalizada no país, a verdade é que mesmo manifestações pacíficas, como as famosas paradas LGBT, são severamente punidas por lá. Erdogan, inclusive, já afirmou, em várias ocasiões, que os homossexuais são “perversos” e que essa prática estaria destruindo a família tradicional turca. Contudo, não foi exatamente o pensamento reacionário que levou o governo turco a tomar sua mais nova medida autoritária - e sim, os problemas demográficos.
Como acontece em vários outros países, a Turquia tem enfrentado uma série de problemas relacionados à queda nas taxas de natalidade. Isso não é exclusividade desse país: na verdade, tanto o mundo desenvolvido, quanto os países emergentes, têm enfrentado esse desafio. Nós já falamos sobre isso em vários vídeos aqui do canal, como: “No JAPÃO, são vendidas mais FRALDAS para IDOSOS do que para BEBÊS: o COLAPSO DEMOGRÁFICO vem aí!”; e “Número de ANIMAIS DOMÉSTICOS na CHINA vai SUPERAR o de CRIANÇAS PEQUENAS ainda em 2024” - links na descrição.
Porém, o caso da Turquia parece ser ainda mais grave. É certo que a taxa de fecundidade desse país não é tão depressiva quanto, por exemplo, a da Coreia do Sul. Esse indicador representa a quantidade de filhos nascidos por mulher naquela região específica, na média. Por definição, a taxa de reposição - ou seja, a taxa que manteria a população de um país estável - é de 2,1 filhos por mulher. Na Coreia do Sul, essa taxa é de 0,78 - o que representa um colapso demográfico completo e, talvez, irreversível. Já na Turquia, a taxa é de 1,88. Ou seja: parece até um paraíso, na comparação com o mundo ocidental.
A verdade, contudo, é que esse índice demonstra, no caso turco, uma queda colossal, que tem se agravado desde a década de 1960. Naquela época, a taxa de fecundidade na Turquia era de incríveis 6,38 filhos por mulher. Percebe-se, portanto, como o país foi, definitivamente, tomado por uma cultura que prioriza famílias menores - tal como tem acontecido em várias partes do mundo, diga-se de passagem.
Não é sem motivos, portanto, que o governo de Erdogan tem demonstrado uma preocupação crescente, no que se refere à sustentabilidade demográfica da Turquia. Lá atrás, em 2008, o ditador já havia implorado para que as mulheres turcas tivessem ao menos 3 filhos - apelo que, obviamente, foi sumariamente ignorado. Por isso, e em função da deterioração do cenário demográfico do país, o governo decidiu dar um passo além - um grande passo.
[PAUSA]
Em resumo, Erdogan proibiu os centros médicos turcos de realizarem cesáreas planejadas - ou seja, aqueles procedimentos que não decorrem de condições emergenciais, mas sim de uma preferência particular. A medida, publicada em abril, tem efeito imediato, e proíbe, de forma definitiva, qualquer cesárea que não seja motivada por questões clínicas graves. Além disso, o governo também impôs controles mais rígidos a respeito da documentação dos pacientes, com necessidade de digitalização de dados e adoção de procedimentos específicos.
Tal medida foi adotada no contexto de uma série de iniciativas adotadas pelo governo Erdogan para transformar 2025 em um “Ano da Família”. E se você quer saber o que a proibição de cesáreas planejadas tem a ver com a guerra contra a queda nas taxas de fecundidade, eu explico. Acontece que mulheres que fazem cesáreas recebem a recomendação de não engravidar pelos 18 meses seguintes, para que a cicatrização do corte aconteça de forma plena, evitando problemas em gestações futuras. Em comparação, uma mulher que passa por um parto normal já está apta para engravidar novamente, em muitos casos, em meros 6 meses após o procedimento.
Em resumo: ao proibir a prática generalizada de cesáreas, o governo da Turquia pretende incentivar a gravidez mais frequente. Eu sei, isso parece absurdo, e realmente é; contudo, é necessário dar um contexto para essa medida. Na Turquia, a taxa de partos realizados por meio de cesáreas é absurdamente alta: 57% do total, e subindo cada vez mais. A título de comparação, a média das nações europeias desenvolvidas - ou seja, cujas populações têm acesso a tratamentos médicos de qualidade - é de apenas 20%. Então, sim, a Turquia possui uma verdadeira cultura das cesáreas.
Isso, contudo, não justifica a medida ditatorial tomada pelo governo turco. Do ponto de vista libertário, não há o que se discutir: o estado não deveria ter o poder de decidir algo tão fundamental na vida de uma pessoa - como a forma com que o parto se dará. Essa decisão deve competir, exclusivamente, às partes interessadas: o pai e a mãe, que são os responsáveis pela tutela do bebê que vai nascer, e o médico que acompanha o casal, que é quem conhece de verdade as circunstâncias do caso clínico. Impor uma ordem estatal nessa decisão, que envolve aspectos técnicos e emocionais muito particulares, é de uma crueldade sem tamanho.
Porém, essa medida também é falha, do ponto de vista utilitário - ou seja, ela não vai resolver o problema que, supostamente, deveria combater. A ideia por trás do plano infalível do Erdogan, digno dos planos do Cebolinha, é que, tendo que ficar de repouso por menos tempo, as mulheres tenham filhos com mais frequência. Os números, contudo, nos mostram que a realidade é bem diferente da ficção encenada nas mentes de ditadores reacionários, como o Erdogan.
Se as mulheres turcas, hoje, têm menos de 2 filhos, em média, isso significa que elas, muito provavelmente, já estão espaçando as gestações em alguns anos - o que tem se tornado cada vez mais comum, no mundo todo. Ou seja: não faz a menor diferença poder engravidar 6 meses ou 18 meses após o primeiro parto, porque a mulher, provavelmente, só vai querer engravidar alguns anos depois, quando seu primeiro filho já tiver crescido o suficiente. Ou, talvez, ela simplesmente não queira mais engravidar. Dessa forma, portanto, a medida do governo turco não vai mudar absolutamente nada.
A verdade é que, tal como tem acontecido ao redor do globo, a queda na taxa de fecundidade na Turquia faz parte de um fenômeno cultural que é alimentado por diversos fatores. As famílias têm preferido, cada vez mais, ter poucos filhos, por diversos motivos - para curtir mais a vida, para gastar menos dinheiro, e também porque a moeda estatal tem perdido valor, fazendo tudo ficar cada vez mais caro. Lembre-se, por exemplo, de que a inflação anual na Turquia, sob o governo Erdogan, já chegou a bater 70%. É difícil pensar que as famílias vão desejar trazer muitos bebês ao mundo, nessas circunstâncias.
Contudo, a preocupação a respeito desse tema faz todo o sentido, porque a possibilidade de um colapso demográfico não é nada animadora. Se, durante muito tempo, se propagou a ideia de que “já tem gente demais no mundo” e os recursos seriam escassos demais para sustentar essa multidão - ideia essa que, por sinal, corroborou pro atual cenário - a verdade é que isso já caiu por terra faz tempo. Hoje, todos os governos já perceberam a necessidade gritante de garantir, pelo menos, a estabilidade populacional, com foco nas camadas mais jovens da pirâmide etária.
De fato, a queda populacional pode levar a um cenário muito ruim para todos - a queda na produtividade. Apenas pense que, ainda que você tenha muito dinheiro na sua velhice, isso de nada vai adiantar, se não tiver ninguém trabalhando para produzir bens e serviços que você possa adquirir com essa grana toda. O bem-estar das gerações mais velhas depende, atualmente, do trabalho das gerações mais novas. E, se estas são cada vez menos numerosas, então aquelas tendem a sofrer mais.
Alguém pode afirmar, é claro, que os avanços tecnológicos vão resolver esse problema - principalmente com o desenvolvimento da inteligência artificial. Porém, ninguém pode afirmar, com 100% de certeza, que isso realmente vai acontecer - ou que os avanços vão mesmo salvar a humanidade do colapso demográfico. Para todos os efeitos, ninguém está disposto a pagar para ver: o mais seguro é tentar reverter essa tendência o quanto antes.
Mas isso não muda o fato de que as medidas apresentadas pelo governo de Erdogan são uma grande violação aos direitos individuais, representando, mais uma vez, um abuso cometido por um governo ditatorial. Em resumo, todo esse desespero estatal não apenas não vai resolver o problema, como vai representar, na prática, uma redução a mais na liberdade do povo turco. Como sempre dizemos por aqui, o estado nunca é a solução - ele é o problema.
Em muitos aspectos, o que o estado - na Turquia, e em qualquer outra parte do mundo - fez, foi criar o cenário perfeito para que um colapso demográfico acontecesse. Agora, em desespero, o mesmo estado tenta domar o monstro que ele próprio criou, às custas, é claro, de mais violações de direitos. Para o bem do povo turco, e para que a Turquia tenha alguma chance de sobreviver ao colapso demográfico, o estado deveria parar - isso sim! - de interferir na vida das pessoas.
https://www.paho.org/pt/noticias/16-6-2021-taxas-cesarianas-continuam-aumentando-em-meio-crescentes-desigualdades-no-acesso
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/06/30/policia-prende-participantes-de-parada-do-orgulho-lgbtqia-na-turquia-onde-manifestacao-e-proibida.ghtml
No JAPÃO, são vendidas mais FRALDAS para IDOSOS do que para BEBÊS: o COLAPSO DEMOGRÁFICO vem aí!
https://www.youtube.com/watch?v=gzFx3Lpjhdg
Número de ANIMAIS DOMÉSTICOS na CHINA vai SUPERAR o de CRIANÇAS PEQUENAS ainda em 2024
https://www.youtube.com/watch?v=7Wrkw-7y1gc