A implosão do movimento identitário mostra como a esquerda não sobrevive ao próprio radicalismo. O caso LGB sem T e a perseguição a JK Rowling e Jordan Peterson revelam que dogmas não resistem ao contato com a realidade.
Um grupo de ativistas gays, lésbicas e bissexuais decidiu romper com a tradicional sigla LGBT e criar o movimento “LGB sem T”. A novidade, noticiada no Brasil pela Gazeta do Povo, vem ganhando corpo desde 2019 no Reino Unido e nos Estados Unidos, mas recentemente passou a ter expressão em solo brasileiro. O ponto de ruptura é claro: para esses ativistas, as pautas dos homossexuais e bissexuais foram sequestradas pela militância trans, que exige uma adesão absoluta à sua visão de mundo, inclusive com imposição de linguagem e políticas públicas contraditórias. No Brasil, essa divisão ganhou visibilidade com páginas em redes sociais, debates internos em associações e manifestações de coletivos que rejeitam a presença do “T” na sigla.
O rompimento anunciado pela organização LGB Internacional e replicado no Brasil pela Aliança LGB Brasil não é apenas mais um capítulo das eternas disputas de siglas que a militância adora criar. É a expressão de uma divisão profunda entre aqueles que acreditam que a luta pelos direitos de lésbicas, gays e bissexuais deve continuar baseada em sexo biológico e orientação sexual, e aqueles que defendem que identidade de gênero subjetiva deve se sobrepor a qualquer realidade material. O anúncio, feito em setembro e divulgado com força no dia 19 daquele mês, já alcançou milhões de visualizações em vídeos de redes sociais, deixando claro que há uma insatisfação crescente dentro da própria comunidade progressista.
Para entender esse rompimento, é preciso voltar um pouco no tempo. O movimento homossexual, tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos, ganhou força ao longo do século XX justamente pela luta contra a criminalização da homossexualidade e pela busca de igualdade legal. A pauta era clara: gays e lésbicas queriam viver suas vidas sem interferência do estado, sem perseguição religiosa ou legal, e sem discriminação que os impedisse de trabalhar, estudar ou constituir família. Essa agenda, por mais polêmica que fosse no início, tinha um norte coerente: era uma luta por liberdade.
Mas a partir dos anos 2000, especialmente depois da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em vários países, parte dessa militância começou a se fragmentar. A vitória jurídica não encerrou o ativismo, e novos grupos começaram a empurrar fronteiras cada vez mais subjetivas. A sigla LGBT, que já era usada nos anos 1990, foi se tornando cada vez maior, ganhando Q, I, A, “+” e tudo mais que coubesse dentro do guarda-chuva. Só que junto com esse crescimento veio a perda de foco: em vez de se falar de orientação sexual, passou-se a falar de identidade de gênero, de expressões individuais de subjetividade, e até de categorias inventadas que ninguém fora das universidades compreendia.
O ponto de ruptura foi a ascensão do movimento trans. Diferente dos gays e lésbicas, cuja luta era por não serem perseguidos pelo que são, os militantes trans mais radicais começaram a exigir que toda a sociedade mudasse sua linguagem, suas leis, suas escolas, seus banheiros, seus esportes e até suas prisões para se adequarem ao que alguém diz sentir sobre si mesmo. E quando essa exigência encontrou resistência, a resposta dada por eles foram acusação de “transfobia”, campanhas de cancelamento, linchamento virtual, perda de empregos e, em alguns casos, até criminalização.
No Reino Unido, essa tensão explodiu em 2019, quando foi fundada a LGB Alliance por duas ativistas lésbicas veteranas, Bev Jackson e Kate Harris. Para elas, o movimento gay havia sido sequestrado por uma agenda que não tinha nada a ver com homossexualidade. Como pode existir lésbica se qualquer homem que se declare mulher exige ser reconhecido como “lésbica trans”? Essa contradição, que antes parecia apenas uma piada, virou um problema real quando homens biológicos começaram a frequentar abrigos femininos, disputar competições esportivas contra mulheres e até reivindicar espaço em prisões femininas, gerando casos documentados de abusos sexuais.
Esse é o mesmo dilema que o Brasil começa a enfrentar agora. Uma reportagem da Gazeta do Povo mostrou que a Aliança LGB Brasil se recusa a continuar apagando o conceito de orientação sexual em nome de uma pauta de identidade de gênero. Mariele Gomes, uma das diretoras do grupo, deixou claro: sexo é uma realidade material imutável, e substituir sexo por gênero apaga a própria definição de orientação sexual.
Esse movimento não é isolado. Nos Estados Unidos, feministas de segunda onda vêm denunciando há anos que a pauta trans destrói conquistas históricas das mulheres. Afinal, se qualquer homem pode dizer que é mulher e competir em esportes femininos, que sentido resta em se falar em igualdade de gênero? A própria Organização Mundial do Feminismo Radical tem se manifestado nesse sentido, mas enfrenta resistência pesada da mídia e de governos capturados por ideologias progressistas.
E é nesse cenário de rachas internos que figuras públicas começaram a se destacar por enfrentar a narrativa dominante. O caso mais emblemático é o do professor canadense Jordan Peterson. Ele se tornou mundialmente conhecido em 2016 quando se recusou a usar pronomes de gênero inventados na Universidade de Toronto, denunciando uma lei canadense (Bill C-16) que pretendia criminalizar a recusa em usar a linguagem imposta pelo ativismo trans. Peterson nunca disse que as pessoas não poderiam se vestir como quisessem ou se identificar da forma que preferissem. Sua posição sempre foi clara: ninguém tem o direito de obrigar os outros a falarem de determinada maneira. Foi essa defesa da liberdade de expressão que o projetou para além do meio acadêmico e o transformou em um ícone cultural.
No Reino Unido, outro caso emblemático é o da escritora J.K. Rowling, autora de Harry Potter. Conhecida por seu histórico progressista e por apoiar causas de esquerda, Rowling caiu em desgraça junto ao movimento woke quando ousou afirmar que mulheres trans não são simplesmente mulheres, e que abrir banheiros e prisões femininas para homens autodeclarados mulheres coloca em risco a segurança de mulheres reais. Rowling nunca foi conservadora, nunca militou contra gays ou lésbicas, e sempre se posicionou como feminista. Mas bastou questionar a coerência da ideologia de gênero para ser execrada, boicotada, cancelada e até ameaçada de morte. Sua exclusão de eventos da própria franquia que criou é a prova mais clara de como a esquerda identitária não perdoa divergência, mesmo vinda de dentro.
Nos Estados Unidos, a discussão também chegou a figuras como Charlie Kirk, que constantemente denuncia a incoerência do movimento trans em debates públicos. Kirk foi duramente atacado por expor casos em que homens autodeclarados mulheres competem em esportes femininos ou cometem crimes em espaços femininos. Recentemente, foi assassinado por um ativista de esquerda, o qual, embora não seja trans, tinha uma namorada trans e abertamente compactuava desta ideologia e dizia odiar Charlie Kirk por suas críticas à mesma.
Esses casos individuais mostram que não se trata apenas de debate acadêmico ou de liberdade de opinião. Existe um esforço organizado para criminalizar a divergência. No Canadá, no Reino Unido e em alguns estados dos EUA, leis já obrigam o uso de pronomes ou punem “discurso de ódio” que, na prática, significa qualquer crítica ao movimento trans. É o estado sendo usado para impor uma ideologia sobre toda a sociedade, transformando discordância em crime.
E é justamente aí que o identitarismo começa a se implodir. O que era apresentado como uma frente única progressista se revela um campo de batalha entre facções que disputam poder, espaço e narrativa. Lésbicas denunciam que estão sendo pressionadas a aceitar homens biológicos como parceiros “lésbicos trans”, feministas denunciam que estão sendo apagadas por uma definição subjetiva de gênero, gays denunciam que sua própria orientação deixa de fazer sentido quando o sexo biológico é negado. E agora, como mostra o movimento LGB sem T, essa implosão se torna pública e organizada.
Do ponto de vista libertário, essa é a consequência inevitável de qualquer movimento que abandona o princípio da liberdade individual e adota a coerção. Quando gays lutavam apenas por não serem presos, perseguidos ou discriminados, estavam alinhados com a defesa da liberdade. Mas quando esse movimento foi capturado por ideologias que querem obrigar todos a aderirem a conceitos subjetivos, ele perdeu o rumo. O resultado é a guerra interna: uma vez que você aceita que é legítimo obrigar os outros a compactuarem da sua visão de mundo, ou pelo menos agirem como se o fizessem, não há limite para o que será imposto.
Esse é o problema central do progressismo identitário: ele não busca apenas o direito de viver e deixar viver, mas o poder de impor linguagem, de silenciar críticas, de censurar livros, de criminalizar a discordância. E, como em todo regime de coerção, cedo ou tarde os próprios aliados se voltam uns contra os outros. Foi assim no comunismo, com purgas internas que dizimaram lideranças revolucionárias. É assim agora com o wokeísmo, onde feministas e gays progressistas descobrem que são “traidores” por não aceitarem dogmas de identidade de gênero.
A lição libertária é clara: só a liberdade individual, baseada no respeito a contratos voluntários e na não agressão, pode evitar esse ciclo de destruição. Se cada pessoa tivesse apenas o direito de viver como quisesse, sem impor sua visão aos outros, não haveria conflito. Mas quando se pede ao estado para impor linguagem, impor banheiros, impor cotas, impor narrativas, o resultado é sempre o mesmo: guerra cultural infinita, brigas internas, destruição de reputações e, no limite, violência física.
Enfim, o caso LGB sem T mostra que até dentro da esquerda progressista já há quem perceba o absurdo. Eles ainda não chegaram à conclusão libertária completa, porque continuam pedindo leis e reconhecimentos estatais. Mas já perceberam que não há como conciliar liberdade de orientação sexual com uma ideologia que exige negar a realidade biológica.
Assim como Rowling, Peterson e tantos outros descobriram na prática, não se pode ceder à imposição estatal de narrativas. A verdade material existe: homens e mulheres são diferentes biologicamente. Pessoas podem viver como quiserem, mas não podem obrigar os outros a mentir ou a aceitar fantasias como realidade objetiva. A liberdade exige respeito à verdade, ao direito de discordar e ao direito de não participar de ideologias alheias.
Esse é o ponto em que a esquerda identitária implode e em que o libertarianismo oferece a única saída coerente. Não é sobre ser contra gays, lésbicas ou trans. É sobre ser contra a imposição, a coerção e o uso do estado para obrigar narrativas. No fim, todo o debate se resume a isso: liberdade ou coerção. E a cada dia fica mais claro que o caminho da coerção leva apenas à destruição mútua.
https://www.bbc.com/news/world-us-canada-37875695
https://www.bbc.com/news/entertainment-arts-53276007
https://www.bbc.com/news/entertainment-arts-64729304
https://www.theguardian.com/society/2022/sep/15/lgb-alliance-co-founder-breaks-down-in-court-when-asked-to-define-lesbian
https://www.theguardian.com/law/2023/jul/06/mermaids-v-lgb-alliance-whos-involved-in-tribunal-ruling
https://www.theguardian.com/world/2023/jul/06/trans-charity-mermaids-fails-to-have-charitable-status-stripped-from-lgb-alliance
https://www.bbc.com/news/world-us-canada-37875695
https://www.bbc.com/news/articles/c7v1rle0598o