O filme O AUTO DA COMPADECIDA 2 fatura mais de R$ 40 MILHÕES, mas DARIA LUCRO mesmo SEM BILHETERIA

“O Auto da Compadecida 2” já é um grande sucesso de bilheteria, e vai encher os bolsos de muita gente. Porém, para surpresa de zero pessoas, a Ancine deu uma forcinha para os produtores de mais essa pérola do cinema nacional.

No final do século passado, uma obra brasileira, originalmente concebida para a TV, acabou se tornando um grande clássico cultural - por sinal, de forma quase instantânea. Trata-se do filme “O Auto da Compadecida”, concebido a partir das obras de Ariano Suassuna, e que se tornou praticamente uma unanimidade de público e crítica. De 2000, o ano de seu lançamento, para cá, a obra só fez crescer em popularidade e em relevância cultural em terras brasileiras.
Eis, porém, que, quase um quarto de século depois, é anunciada a chegada de uma continuação para esse grande clássico nacional - algo que, convenhamos, ninguém nunca pediu. A continuação, “O Auto da Compadecida 2”, chegou aos cinemas nacionais no Natal de 2024 - mas a divisão de opiniões foi muito anterior a isso. Os trailers já indicavam alguns problemas, especialmente na comparação com a obra original. E, ao que tudo indica, tudo na continuação é realmente inferior: texto, ambientação, criação de mundo e, naturalmente, o humor.
Porém, se a continuação do clássico do ano 2000 não conquistou corações e mentes entre o público e a crítica, a verdade é que “O Auto da Compadecida 2” conquistou - isso sim! - muita grana. Na verdade, a bilheteria do filme está bombando, desbancando, inclusive, vários blockbusters de Hollywood. Veja, por exemplo, que a nova rodada de aventuras de Chicó e João Grilo superou a bilheteria de Sonic 3 - e, é claro, deu um banho em “Mufasa”, filme sobre o qual falamos recentemente aqui no canal, no vídeo: "MUFASA: O Rei Leão" DECEPCIONA na BILHETERIA e na QUALIDADE, mas é NOTA 10 em LACRAÇÃO - link na descrição.
“O Auto da Compadecida 2” já estreou fazendo sucesso. E, atualmente, o filme já ultrapassou a marca dos R$ 40 milhões em faturamento. Na verdade, esse valor provavelmente já estará desatualizado, no momento em que você assistir a este vídeo. Esse valor é muito superior ao já bem-sucedido resultado do filme original, que arrecadou R$ 11 milhões. Sim, eu sei: nesses 24 anos, a inflação fez os seus estragos, então não dá para comparar os valores de forma tão superficial. Inclusive, nós já aplicamos essa abordagem à questão das bilheterias do cinema aqui no canal, no vídeo: “A MAIOR BILHETERIA dos cinemas de TODOS os TEMPOS” - link na descrição.
Corrigindo os valores, os filmes estariam empatados. Mas a continuação ainda vai ter um bom tempo de tela, então sua receita deve crescer consideravelmente. De qualquer forma, estamos diante de um valor bastante expressivo, especialmente levando-se em conta os padrões do cinema nacional. De fato, a obra já vendeu 2 milhões de ingressos - metade disso apenas no seu primeiro final de semana de exibição.
Não temos dúvidas, portanto, de que o filme já é um grande sucesso comercial - uma vez que, embora os dados dos custos ainda não estejam disponíveis, é pouco provável que eles excedam a receita que já foi auferida. Contudo, podemos afirmar, com ainda mais certeza, que “O Auto da Compadecida 2” daria lucro, mesmo se não vendesse um único ingresso. E isso se deve, é claro, às infindáveis leis de incentivo cultural existentes no Brasil.
Não se trata, exatamente, da Lei Rouanet - até porque, ao contrário do que o senso comum e até o Bolsonaro acreditam, essa lei não pode autorizar a captação de recursos para longas-metragens. Contudo, o fato é que sim, a continuação do clássico do ano 2000 recebeu muito, mas muito incentivo, por parte da famigerada Agência Nacional do Cinema - a Ancine.
Se você fizer uma rápida pesquisa na internet, verá que o filme conseguiu autorização para captar nada menos que R$ 18 milhões! É certo que, como você bem sabe, a autorização não significa que a produtora responsável pela obra - no caso, a Conspiração Filmes - vai conseguir captar essa grana toda. Isso depende do interesse dos patrocinadores, que poderão abater as doações de seu imposto de renda - é a chamada renúncia fiscal, por parte do estado.
Contudo, esse valor, por si só, já seria escandaloso, mesmo se apenas comparado com a realidade das leis de fomento brasileiras. Em média, cada obra costuma receber autorização para captar algo na faixa dos R$ 5 milhões - o que mostra que a Ancine foi, no mínimo, bastante bondosa com “O Auto da Compadecida 2”. Porém, se você for além da simples pesquisa superficial, as coisas ficam ainda mais interessantes.
Vasculhando um pouco mais, podemos encontrar um processo de liberação para captação de recursos, no próprio site da Ancine, indicando que o filme conseguiu, na verdade, uma aprovação ainda maior - de R$ 22 milhões. Desse montante, R$ 6 milhões foram efetivamente captados. Só que existe ainda outro processo, também com o nome de “O Auto da Compadecida 2”. Desta vez, contudo, relacionado a uma série de TV.
Provavelmente, você se lembra que o filme de 2000, na verdade, surgiu como uma série, exibida na Globo, e que posteriormente foi condensada para se transformar em um longa-metragem. Ao que tudo indica, desta vez o processo será o inverso: primeiro veio o filme para, na sequência, ser feita uma série a respeito dessa nova história. Pois bem: a citada produtora conseguiu autorização para captar mais R$ 11 milhões para essa série, ainda a ser lançada - dos quais R$ 2,5 milhões foram efetivamente captados.
Mas será que estamos falando de 2 produtos diferentes? Bem, se você se lembra do primeiro filme - e, é claro, da primeira série, - você verá que não há diferenças substanciais, exceto no que se refere à duração total do projeto. Acontece que, muito provavelmente, a série de “O Auto da Compadecida 2” vai seguir o mesmo padrão - uma vez que a sinopse do filme e da série, nos processos da Ancine, é a mesma. Ou seja: a produtora captou recursos 2 vezes, para produzir a mesma obra. Genial, não é mesmo?
Uma vez que iniciamos este vídeo falando da bem-sucedida bilheteria do filme, há uma clara pergunta a se fazer, neste momento: faria alguma diferença captar esses R$ 8 milhões de reais, em um filme que já conseguiu superar a marca dos R$ 40 milhões em faturamento? Bem, a resposta é óbvia: é claro que faria uma baita diferença! Afinal de contas, isso afasta o risco do prejuízo - embora o hype do filme, para o bem ou para o mal, tenha dado indícios de que o público encheria as salas de cinema. E, melhor ainda, isso garante um lucro extra, no caso de sucesso - que foi, exatamente, o que aconteceu.
É claro que alguém, neste momento, pode argumentar que, na verdade, o estado não está financiando esse e outros filmes. O governo não estaria dando dinheiro para as obras mas, apenas, permitindo que empresas obtivessem um benefício fiscal em função de seu patrocínio. Sim, isso é verdade. Contudo, uma vez que o governo não tem intenção de reduzir sua arrecadação, muito menos de reduzir despesas para acomodar essa renúncia fiscal, isso só significa uma coisa: que todos nós estamos, na prática, pagando esse patrocínio - via impostos, ou via inflação.
E é aí que entra o grande ponto libertário nessa história toda: ninguém deveria ser obrigado a financiar nada contra sua vontade - e isso se aplica tanto à cultura quanto ao próprio aparato estatal. Não adianta impor, nesse caso, o famigerado discurso de que a “cultura é algo importante para a sociedade”. Isso é verdade; só que, por ser tão importante assim, a cultura sempre surge naturalmente, no meio do povo. E, principalmente: por ser tão importante, ela deve permanecer longe das garras do estado.
O fato é que, ao contrário do que aponta o senso comum, especialmente entre pessoas de direita, muitos filmes brasileiros fazem sim sucesso comercial, e podem se bancar, por contra própria. E eu não estou falando apenas dos sempre citados "Tropa de Elite 1 & 2". Veja o caso, por exemplo, de "Ainda estou aqui" - o filme esquerdista mais badalado do momento. A obra já arrecadou R$ 66 milhões, contra um orçamento de apenas R$ 8 milhões. Ou seja, o filme teve um baita lucro, inclusive superando grandes filmes gringos, como "Gladiador 2", "Venom" e "Duna: Parte 2" - ao menos nas bilheterias nacionais. Ao que tudo indica - mas essa informação pode não ser precisa, - “Ainda estou aqui” não contou com o apoio de leis de incentivos fiscais.
Em outras palavras: é possível sim fazer cinema nacional com sucesso comercial - e vários nichos demonstram isso. Só que nem todos querem seguir esse caminho, pois isso exige talento e muito trabalho e o sucesso nunca é garantido. Nesse sentido, porém, não adianta reclamar só da indústria cinematográfica. Na verdade, esse é um mal do qual todo tipo de indústria brasileira padece: depender, de forma servil, da ação do estado. Veja que, recentemente, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediu a realização de um pacto que envolva, dentre outras coisas, "estímulos para setores estratégicos, como a indústria e o agronegócio". Ou seja: nessa história, todo mundo quer a sua bocada.
Fazer um filme de sucesso é sim um desafio. O investimento é alto e o retorno está longe de ser garantido. Por isso, os produtores brasileiros preferem partir para o caminho fácil, passando o pires nas salas da Ancine - até mesmo porque isso lhes permite fazer filmes que ninguém assistiria, no fim das contas. Essa atitude se assemelha muito, portanto, a uma grande indústria que exija do governo tarifas pesadas para produtos gringos, ou a um grande varejista que faça lobby para o Lula taxar as comprinhas da Shein. Melhor do que concorrer, é contar com o estado para ter seu lucro garantido! Infelizmente, a verdade é que os grandes empresários tendem a ser anticapitalistas, por detestarem que novos competidores possam surgir no mercado e fazer mais sucesso que eles.
Gosto é algo relativo - podendo ser, inclusive, bastante duvidoso. E o sucesso comercial nem sempre depende de questões de gosto. Por isso, por mais que seja quase um consenso que “O Auto da Compadecida 2” é inferior ao original, ele já é um sucesso de bilheteria. Toda a curiosidade gerada pelos trailers, aliada a um quarto de século de nostalgia, garantiu que o filme fosse sim um grande sucesso. Mas, se as leis estatais permitem, por que não pegar também uma rebarba estatal? E assim, às custas de milhões e milhões de reais, que pesam, de forma antiética, sobre todos os pagadores de impostos, mais uma indústria brasileira se torna escrava do estado, apenas para não ter que concorrer, de forma correta e justa, no livre mercado.

Referências:

https://observatoriodocinema.uol.com.br/filmes/o-auto-da-compadecida-2-mantem-lideranca-na-bilheteria-nacional/

https://crusoe.com.br/diario/o-orcamento-milionario-de-auto-da-compadecida-2/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Bilheteria_dos_cinemas_no_Brasil_em_2024

Despacho da Ancine que autorizou a captação:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-do-diretor-presidente-n-55-e-de-12-de-maio-de-2023-483055811

Processo Ancine da Série:
https://sad.ancine.gov.br/projetosaudiovisuais/ConsultaProjetosAudiovisuais.do;jsessionid=CE4C5482240080EF49EE760622F1945B?method=detalharProjeto&numSalic=230669

Processo Ancine do Filme:
https://sad.ancine.gov.br/projetosaudiovisuais/ConsultaProjetosAudiovisuais.do;jsessionid=DED74B41706E0B160F31796F1220BB1D?method=detalharProjeto&numSalic=230305

"MUFASA: O Rei Leão" DECEPCIONA na BILHETERIA e na QUALIDADE, mas é NOTA 10 em LACRAÇÃO
https://www.youtube.com/watch?v=r0hEOC0Vzws&t=626s

“A MAIOR BILHETERIA dos cinemas de TODOS os TEMPOS”
https://www.youtube.com/watch?v=zGSu5PdbJ-c