O Safári Humano de Sarajevo: Ricos Brincando de TIRO AO ALVO em civis

Se você achava que a barbárie humana já havia chegado ao seu limite, saiba que sempre pode piorar. Entenda como ricos usaram civis de alvo para suas brincadeiras, e como o estado foi cúmplice dessa carnificina.

O Ministério Público de Milão abriu uma investigação sobre um caso que parece pertencer a um filme de terror, ou aos pesadelos mais obscuros da humanidade, mas que aparentemente aconteceu de verdade: turistas ricos, vindos da Itália e de outros países, teriam pago entre 80 e 100 mil euros (ou o equivalente a até R$ 610 mil) às milícias sérvias para atirar em civis durante o cerco de Sarajevo, entre 1992 e 1996. Pessoas abastadas, empresários respeitáveis, donos de clínicas médicas, transformaram o sofrimento humano em diversão de fim de semana. E depois voltavam para casa, como se tivessem apenas feito um safári na África.

Para entender como chegamos a esse ponto de depravação, é preciso voltar alguns anos. A Iugoslávia era uma federação artificial, mantida unida pela ditadura comunista de Josip Broz Tito desde 1945. Seis repúblicas diferentes — Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro e Macedônia — compostas por etnias distintas (sérvios ortodoxos, croatas católicos, bósnios muçulmanos), com línguas similares mas histórias diferentes, tudo amarrado pela força de um regime autoritário que suprimia qualquer manifestação de nacionalismo.

Quando Tito morreu em 1980, a única coisa que mantinha aquela construção artificial começou a desmoronar. E quando o bloco socialista colapsou em 1991, foi o fim. A Eslovênia e a Croácia declararam independência. A Macedônia seguiu o mesmo caminho. E então veio o problema da Bósnia-Herzegovina.

A Bósnia era um mosaico étnico: 44% de muçulmanos bósnios, 31% de sérvios ortodoxos, 17% de croatas católicos. Em março de 1992, a população votou pela independência em um referendo amplamente boicotado pelos sérvios locais. Quando a independência foi reconhecida internacionalmente em abril, os sérvio-bósnios, armados e apoiados pela Sérvia de Slobodan Milošević, iniciaram uma guerra com um objetivo claro: criar a "Grande Sérvia" através da limpeza étnica.

E aqui está a lição que todos deveriam aprender mas poucos querem aceitar: quando estruturas estatais colapsam e novas estruturas estatais tentam se impor pela força, o resultado é sempre o mesmo — massacre, limpeza étnica, genocídio. Não importa se é comunismo, fascismo, nacionalismo ou qualquer outro "ismo". O que importa é que alguém decidiu que pode usar a força para impor sua visão de mundo sobre os outros, e que a vida humana é apenas um obstáculo a ser removido.

Mas o absurdo desse caso grotesco não para por aqui. Segundo investigações, havia uma tabela de preços: crianças custavam mais caro para serem alvejadas, seguidas de homens armados e uniformizados, depois mulheres, e idosos podiam ser mortos "de graça". Pense nisso. Uma precificação da vida humana baseada na "emoção" que cada assassinato proporcionaria ao atirador. 

Os "turistas de guerra" voavam de Trieste para Belgrado pela companhia aérea sérvia Aviogenex, e de lá eram levados até as colinas ao redor de Sarajevo, onde recebiam fuzis e eram posicionados estrategicamente. Entre os participantes estavam empresários e cidadãos respeitados, principalmente entre 40 e 50 anos.

E qual era a motivação desses indivíduos? Segundo o jornalista Ezio Gavazzeni, não havia razões políticas ou religiosas: eram pessoas ricas que foram por diversão e satisfação pessoal, que amam armas e frequentam campos de tiro ou fazem safáris na África. Diversão. Satisfação pessoal. Como se estivessem caçando gazelas, e não seres humanos.

Para entender a dimensão dessa barbárie, é preciso contextualizar o inferno que foi o cerco de Sarajevo. O cerco durou 1.425 dias — de abril de 1992 a fevereiro de 1996 — sendo o mais longo da história da guerra moderna. A Guerra da Bósnia durou mais de três anos e causou cerca de 200 mil vítimas entre civis e militares e 1,8 milhão de deslocados.

Durante o cerco, mais de 11.500 pessoas foram mortas em Sarajevo, incluindo centenas de crianças. A cidade, localizada em um vale, ficou completamente vulnerável a franco-atiradores sérvios posicionados nas montanhas ao redor. De acordo com cálculos da Unicef, 65 mil das 80 mil crianças da cidade — 40% da população infantil — foram alvejadas diretamente por snipers.

Os nomes das crianças assassinadas estão gravados em um memorial no centro de Sarajevo. Uma lembrança permanente de que a crueldade humana não tem limites quando o estado de direito colapsa e o mal pode operar livremente.

Mas o cerco de Sarajevo, por mais horrível que tenha sido, não foi o pior crime daquela guerra. Em julho de 1995, forças sérvio-bósnias sob comando do general Ratko Mladić atacaram a "área segura" de Srebrenica, declarada assim pela ONU, e em pouco mais de uma semana mais de 8.000 homens e meninos muçulmanos bósnios foram sistematicamente executados. Foi o maior massacre em solo europeu desde o Holocausto, e tanto o Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia quanto a Corte Internacional de Justiça classificaram os eventos como genocídio.

Mladić entrou em Srebrenica e declarou diante de jornalistas: "Damos esta cidade à nação sérvia... chegou a hora de nos vingarmos dos turcos nesta região". E a vingança veio na forma de execuções em massa, deportações forçadas e o desaparecimento sistemático de uma população inteira. Posteriormente, comandantes sérvios tentaram encobrir os crimes exumando corpos de valas comuns primárias e os reenterrando em locais remotos, dificultando a identificação das vítimas. Até hoje, famílias buscam os restos mortais de seus entes queridos.

E aqui está a lição mais amarga sobre a natureza do estado: tanto o "safári humano" quanto o genocídio de Srebrenica foram operações militares organizadas, hierarquizadas e executadas por estruturas estatais ou para-estatais. Não foram atos de bandidos isolados ou psicopatas solitários. Foram crimes cometidos por exércitos, comandados por generais, financiados por governos, e executados por soldados que recebiam ordens e salários.

O estado sérvio-bósnio transformou o genocídio em política pública, a limpeza étnica em estratégia militar, e o assassinato de civis em fonte de receita através do turismo macabro. Quando você concentra o monopólio da violência nas mãos de uma estrutura centralizada, sem contrapesos reais e sem responsabilização individual, o resultado não é ordem e proteção — é Srebrenica. É Sarajevo transformada em parque de diversões para sádicos endinheirados. O estado não falhou em proteger seus cidadãos; ele ativamente lucrou com o seu extermínio. E fez isso com a eficiência burocrática que só uma máquina estatal pode ter: com tabelas de preços, logística de transporte, acordos contratuais e sigilo operacional. Se isso não evidencia a natureza perversa do poder centralizado, nada mais o fará.

O jornalista italiano Ezio Gavazzeni afirmou: "Estamos falando de pessoas ricas, com reputação, empresários, que durante o cerco de Sarajevo pagavam para poder matar civis indefesos. Eles saíam de Trieste para a caçada humana. E depois voltavam e continuavam suas vidas normais, respeitáveis aos olhos de todos".

Aqui está o ponto central: esses não eram soldados brutalizados pela guerra, não eram fanáticos ideológicos, não eram pessoas que haviam perdido a sanidade em meio ao caos. Eram cidadãos "respeitáveis", que durante a semana cuidavam de suas empresas, atendiam pacientes, participavam de jantares sociais. E nas sextas-feiras pegavam um avião para matar pessoas inocentes por diversão.

Hannah Arendt cunhou o termo "banalidade do mal" ao observar Adolf Eichmann durante seu julgamento. Ela percebeu que o horror não vem apenas de monstros evidentes, mas de pessoas comuns que simplesmente escolhem fazer o mal sem questionamento moral. É exatamente o que vemos aqui: o mal trivializado, transformado em lazer, consumido como entretenimento.

Mas há outra dimensão dessa tragédia que não pode ser ignorada: os participantes teriam feito acordos com o exército sérvio-bósnio, comandado por Radovan Karadžić, condenado por genocídio e crimes contra a humanidade. As milícias sérvias não apenas permitiram essa barbárie, mas lucraram com ela. Transformaram o cerco em um negócio.

É o estado — ou a estrutura militar que aspira ser um estado — atuando como agente direto do crime organizado. Não apenas falhando em proteger seus cidadãos, mas ativamente vendendo a vida deles ao melhor lance. É difícil imaginar algo mais depravado.

E antes que alguém pense que isso é exclusividade de "ditaduras do Leste Europeu", vale lembrar: um ex-funcionário da agência de inteligência da Bósnia afirmou que o Serviço de Inteligência e Segurança Militar da Itália foi alertado sobre a situação no início de 1994. Alertado. E aparentemente nada foi feito por anos.

O caso voltou à tona após o lançamento do documentário "Sarajevo Safari" (2022), do cineasta esloveno Miran Zupanic, que reuniu testemunhos sobre estrangeiros ricos que teriam pago para participar de caçadas humanas na cidade sitiada. Até então, essas histórias eram tratadas como rumores difíceis de comprovar.

Na primeira página do jornal Oslobodjenje, em 1º de abril de 1995, durante o próprio cerco, foi publicado um artigo intitulado "Sniper Safari em Sarajevo", mencionando testemunhos sobre o "turismo de guerra" e evocando um oficial sérvio que propôs a um jornalista italiano disparar contra uma mulher idosa. Ou seja, isso era conhecido. Mas nada aconteceu durante décadas.

Agora, o promotor Alessandro Gobbis abriu uma investigação por homicídio voluntário agravado por crueldade e motivos abjetos, com base em denúncia apresentada pelo jornalista Ezio Gavazzeni e um relatório da ex-prefeita de Sarajevo, Benjamina Karic.

Será que os responsáveis serão punidos? Improvável. Trinta anos se passaram. Testemunhas morreram, evidências se perderam, e muitos dos envolvidos provavelmente já faleceram ou estão protegidos por estruturas políticas e jurídicas. Mas a investigação serve a um propósito maior: não deixar que o esquecimento complete o trabalho que os assassinos começaram.

O caso do "safári humano" de Sarajevo nos ensina algo fundamental sobre a natureza do mal. Ela não precisa de grandes ideologias ou justificativas elaboradas. Às vezes, o mal é simplesmente o resultado de pessoas com recursos suficientes para realizar suas fantasias mais obscuras, encontrando um ambiente onde não há lei, não há justiça, e não há consequências.

O estado, quando se corrompe completamente, não apenas deixa de proteger. Ele se torna cúmplice ativo. E quando isso acontece, a humanidade revela sua face mais sombria. Em uma sociedade libertária, isso se tornaria mais difícil por não existirem grandes estruturas de poder centralizado, capazes de criar grandes guerras ou cercos. Mas ainda que um grupo de mercenários tentasse algo assim, os cidadãos daquele local poderiam ter mais chance de defesa, pois qualquer pessoa poderia ter armas. Além disso, caso algo assim fosse descoberto, esses monstros seriam imediatamente considerados culpados por ferir o PNA, e além de terem que pagar por seus crimes, se um dia se vissem livres, ninguém desejaria se associar com pessoas assim, e eles seriam socialmente excluídos.

Quantas atrocidades similares acontecem agora, neste exato momento, em zonas de conflito ao redor do mundo? Quantos outros "safáris humanos" estão operando onde os holofotes internacionais não alcançam?

A verdade é que o monstro não está apenas nas ditaduras distantes. Ele está em qualquer lugar onde o poder concentrado encontra a impunidade, onde o dinheiro compra não apenas luxo, mas vidas humanas, e onde homens de terno e gravata podem, por um fim de semana, brincar de deuses da morte. E depois voltar para casa, beijar os filhos, e dormir tranquilos.

Porque quando a justiça não alcança os culpados, o mal continua sendo apenas mais uma opção de lazer para quem pode pagar.

Referências:

https://www.britannica.com/biography/Ratko-Mladic
https://www.nsctotal.com.br/noticias/como-funcionava-safari-humano-em-saravejo-com-ticket-de-r-610-mil-e-mortes-de-inocentes
https://vestibulares.estrategia.com/portal/materias/geografia/guerra-da-bosnia/