Justiça de Santa Catarina nega a uma mãe o direito de educar o próprio filho, impondo multa e obrigando matrícula em escola estatal. Até quando aceitaremos que o estado dite como criamos nossas crianças?
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu no dia 2 de setembro negar o pedido da advogada Regiane Cichelero para educar seu filho em casa. O tribunal manteve a determinação de que o menino fosse matriculado em uma escola regular e ainda aplicou punições severas: pagamento de cem mil reais em multa e o equivalente a três salários-mínimos adicionais. Tudo isto pelo "crime" hediondo de criar o seu próprio filho do modo que a mãe entende ser o melhor para ele.
O caso começou em 2020, quando, diante do fechamento das escolas por conta da pandemia de covid-19, Regiane passou a ensinar o filho em casa. Mesmo após a reabertura das escolas em março de 2021, ela preferiu continuar com a educação domiciliar, alegando que poderia oferecer um ensino de melhor qualidade e também alinhado às convicções religiosas da família. A escola onde o filho estava matriculado notificou o Conselho Tutelar, que então acionou o Ministério Público. Desde então, a advogada foi pressionada pela Justiça, chegou a ser ameaçada de perder a guarda da criança e foi obrigada a enfrentar uma série de processos até a decisão mais recente do TJSC.
O caso de Regiane não é isolado. Nos últimos anos, diversos pais brasileiros enfrentaram processos semelhantes simplesmente por escolher educar seus filhos fora do modelo estatal. Em 2018, o próprio STF já havia decidido que o homeschooling não poderia ser praticado sem lei específica, ignorando completamente os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Esse precedente reforça o ambiente de insegurança jurídica em que as famílias são obrigadas a viver, sempre sob a ameaça de sanções ou da perda da guarda dos filhos.
Regiane anunciou que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal e, se necessário, à Corte Internacional de Direitos Humanos. Ela argumenta que os desembargadores julgaram sem base legal, apenas com opiniões pessoais, ignorando tratados internacionais de direitos humanos que reconhecem o direito dos pais de escolher a forma de educação dos filhos. A Aliança em Defesa da Liberdade Internacional assumiu sua defesa, afirmando que a decisão representa um retrocesso para os direitos parentais no Brasil. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que os pais têm prioridade na escolha da instrução que será dada a seus filhos, mas, ainda assim, a Justiça brasileira insiste em ignorar esse princípio.
Esse caso chamou atenção não só pelo impacto na vida da família envolvida, mas também porque evidencia um conflito cada vez mais forte no Brasil: o direito dos pais versus o monopólio estatal da educação. E para entender melhor a gravidade do que está em jogo, precisamos olhar para os números e para a realidade da escola brasileira.
O Brasil gasta oficialmente algo em torno de 6% do PIB em educação, acima da média mundial, mas esse gasto não se traduz em qualidade. Segundo dados do INEP, apenas 45% das crianças no 3º ano do ensino fundamental conseguem ler com fluência adequada. Em matemática, a situação é ainda pior: menos de 35% dos alunos têm desempenho mínimo esperado. O resultado é um exército de analfabetos funcionais. O Indicador de Alfabetismo Funcional mostra que quase 30% dos jovens brasileiros entre 15 e 24 anos não são plenamente alfabetizados, mesmo depois de uma década ou mais dentro da escola. O Brasil ocupa as últimas posições em rankings internacionais, como o PISA, onde nossos estudantes aparecem muito abaixo da média da OCDE em leitura, matemática e ciências.
Além disso, há o problema da evasão. Segundo dados do IBGE de 2022, mais de 10 milhões de jovens de 14 a 29 anos estão fora da escola e não concluíram a educação básica. Ou seja, mesmo com a obrigatoriedade, o estado falha em manter os estudantes dentro das salas de aula. E quando consegue mantê-los, muitas vezes eles saem de lá sem saber interpretar um texto simples ou fazer contas básicas.
Ainda pior do que a baixa qualidade do ensino, contudo, é o fato de que o ambiente escolar se tornou cada vez mais inseguro. Nos últimos dez anos, os casos de violência em escolas aumentaram mais de 250%. Há registros constantes de agressões físicas entre alunos, professores agredidos, bullying sistemático e até assassinatos. Em março de 2023, por exemplo, um ataque em uma escola em São Paulo deixou quatro crianças mortas. Em 2019, outro massacre em Suzano, também em São Paulo, matou oito pessoas. Em Blumenau, um homem invadiu uma creche e matou quatro crianças a golpes de machadinha. Em Aracruz, um adolescente entrou armado em duas escolas e assassinou quatro pessoas. São episódios que chocam o país, mas que se tornam cada vez mais frequentes. E mesmo nos casos menos extremos, a violência cotidiana nas escolas é uma realidade: celulares roubados, drogas circulando, professores ameaçados, meninas assediadas.
Esses casos extremos chamam a atenção da mídia, mas a violência cotidiana — como brigas entre alunos, agressões contra professores e ameaças dentro da escola — é constante. Em 2022, uma pesquisa do Instituto Locomotiva mostrou que 81% dos professores já sofreram algum tipo de violência verbal ou física no ambiente escolar.
Esses números revelam que, ao contrário do que a Justiça insiste em afirmar, o estado não garante qualidade nem segurança. Pelo contrário, submeter obrigatoriamente as crianças à escola estatal significa condená-las a um ambiente em que dificilmente aprenderão de fato e onde correm risco físico. Se o estado fosse uma empresa privada oferecendo esse serviço, já teria falido há muito tempo. Mas como é o estado, nada acontece: não há responsabilização, não há consequência.
Enquanto isso, o homeschooling cresce no Brasil mesmo sem regulamentação clara. Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), cerca de 75 mil famílias brasileiras já praticam o ensino domiciliar, alcançando aproximadamente 150 mil estudantes. Em outros países, a prática é amplamente aceita, com resultados consistentes: alunos educados em casa costumam apresentar desempenho acadêmico superior, maior autonomia e habilidades sociais iguais ou melhores do que os colegas de escolas convencionais. Para se ter ideia, nos Estados Unidos, o homeschooling é legal em todos os estados, envolvendo mais de 3,1 milhões de estudantes em 2021, segundo o National Home Education Research Institute. Em países como Canadá, Reino Unido, Austrália e França, a prática também é reconhecida e regulamentada. Isso mostra que o Brasil não apenas ignora uma tendência global, como criminaliza algo que em boa parte do mundo é visto como exercício legítimo da liberdade parental.
E é bom lembrar: ao contrário do que dizem os críticos, a prática do homeschooling não significa isolar a criança do convívio em sociedade. As famílias geralmente organizam grupos de estudo, contratam tutores, participam de atividades esportivas e culturais, estimulando a socialização de forma muito mais rica do que a simples convivência forçada em um pátio escolar. Há, portanto, muitas opções e formas como a educação pode se dar, além do modelo imposto pelo estado.
O argumento de que a escola é indispensável para aprender a viver em sociedade se desfaz facilmente quando vemos que a própria escola é hoje um espaço de violência, bullying, repressão e até atentados. Se esse é o exemplo de convívio social que o estado impõe, então a socialização oferecida pela escola é, na verdade, um desserviço. Socializar significa aprender a lidar com pessoas de diferentes idades, em ambientes variados, com objetivos diversos, e não apenas estar preso em uma sala com 40 colegas da mesma idade, obrigados a repetir o mesmo conteúdo engessado ditado pelo MEC.
Mas a questão vai além de números e fatos. É também uma questão histórica e filosófica. Em que momento os pais perderam o direito de educar seus próprios filhos? A ideia de que o estado deve controlar a educação das crianças é relativamente recente. Até o século XIX, a maior parte da educação era responsabilidade das famílias, das igrejas, de instituições privadas ou de mestres independentes. Foi com o avanço do estado moderno e com a expansão das ideias socialistas e nacionalistas que a educação estatal obrigatória se tornou norma. A Prússia, no século XIX, foi pioneira nesse modelo de escola obrigatória, não para garantir liberdade ou conhecimento, mas para moldar cidadãos obedientes e soldados disciplinados. O modelo prussiano foi copiado em todo o mundo, inclusive no Brasil, sempre com o mesmo objetivo: formar mão de obra dócil para o estado e para o mercado regulado, nunca indivíduos livres.
No Brasil, a educação estatal obrigatória foi consolidada ao longo do século XX, reforçada pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelecem a obrigatoriedade da matrícula escolar. Mas em nenhum momento se discutiu seriamente se isso significava realmente um direito da criança ou apenas uma forma de garantir ao estado o monopólio sobre a formação das futuras gerações. A escola estatal, em sua estrutura, ensina a obedecer, cumprir horário, aceitar autoridade sem questionar, bater ponto. É um treinamento para a vida de CLT, não para a vida em liberdade.
Não é coincidência que a escola estatal seja organizada como uma linha de produção: campainhas, horários fixos, provas padronizadas, currículo engessado. Tudo isso molda a mente do aluno para obedecer, não para pensar de forma autônoma. O sistema foi importado do modelo prussiano do século XIX, cujo objetivo explícito era formar soldados disciplinados e trabalhadores dóceis. O estado brasileiro apenas adaptou esse formato para produzir mão de obra barata e eleitores obedientes.
Quando o estado diz que os pais não podem educar seus filhos fora da escola estatal, ele está afirmando que desconfia de todos os pais por princípio, tratando-os como potenciais abusadores ou negligentes. Mas quem garante que o estado faz melhor? Milhões de crianças passam anos na escola sem aprender o básico. Milhares sofrem violência física e psicológica dentro das salas de aula. O estado não é responsabilizado por nada disso. Não há incentivo para melhorar, porque o monopólio é garantido por lei. Se aceitarmos essa lógica, o próximo passo natural seria entregar todas as crianças diretamente ao estado ao nascer, já que os pais seriam considerados incapazes. É esse o caminho que queremos seguir?
A liberdade de educar os filhos é um direito natural, anterior a qualquer constituição ou lei. Cada família deve ter a possibilidade de escolher a melhor forma de educar seus filhos, de acordo com seus valores, crenças e circunstâncias. Alguns escolherão escolas privadas, outros optarão pelo homeschooling, outros ainda por uma combinação de cursos livres, tutores, esportes e atividades extracurriculares. O importante é que a escolha seja livre, não imposta pelo estado.
Ao criminalizar o homeschooling, a justiça brasileira não está apenas punindo uma mãe, mas atacando a base da liberdade individual. O caso de Regiane Cichelero deveria servir como alerta para todos nós. Se aceitarmos que o estado pode impor como devemos educar nossos filhos, então já não somos mais pais de verdade, mas apenas cuidadores temporários de crianças que, em última instância, pertencem ao governo. Essa é a essência do totalitarismo: quando o estado se coloca acima da família e do indivíduo, quando decide que seus filhos não são seus, mas dele.
E talvez seja por isso que o homeschooling assusta tanto o estado. Porque educar fora da escola estatal significa criar indivíduos livres, capazes de pensar por si mesmos, de questionar, de empreender, de viver de verdade. E um povo livre é a maior ameaça a qualquer governo que queira se perpetuar no poder. Por isso, eles insistem em nos obrigar a colocar nossos filhos em suas fábricas de obediência. Mas cabe a nós resistir e exigir de volta o direito que nunca deveríamos ter perdido: o direito de educar nossos próprios filhos.
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https://ilocomotiva.com.br/clipping/uol-54-dos-professores-afirmam-ter-sofrido-violencia-na-escolas/